"Olha para os céus!" (Gn 15:5), foi a ordem dada por Deus a Abraão ao renovar a promessa da vinda de um Redentor1. Visto que Abraão era procedente da Mesopotâmia (Ur dos Caldeus; cf. Gn 11:31), principal centro de conhecimento astronômico do Mundo Antigo, a ordem de olhar para os céus deve ter lhe soado bem familiar2. O mais fascinante é descobrir que essa mesma ordem se estende hoje aos que buscam compreender melhor as profundidades do plano de salvação.

Como se verá mais adiante, os períodos proféticos de Daniel 8:14 e 9:24-27 estão vinculados a datas importantes do ciclo festivo de Israel, mais especificamente ao Yom Kippur (10 de Tishri) e ao Pesach (14/15 de Nisan). Essas datas pertencem ao Calendário Judaico, que é um calendário lunissolar, já que o início do mês é determinado pela observação do primeiro crescente lunar e a extensão dos anos está ancorada ao movimento da Terra ao redor do Sol. Daí a relevância de sólido conhecimento no campo da Astronomia e dos sistemas de calendário.

Não é de estranhar que seja assim, pois, na base de Gênesis 1:14, Deus pôs o Sol, a Lua e as estrelas "para fazerem separação entre o dia e a noite" e para servirem "para sinais, para estações, para dias e anos". São, portanto, os corpos celestes que devem determinar a duração dos dias, meses e anos. Aliás, a palavra hebraica traduzida como "estações" (du@om - mô*"*Ä“d) pode significar "lugar de reunião" ou "assembléia", mas principalmente "tempo indicado", "dia fixo" ou "tempo de festa" e ocorre freqüentemente nas Escrituras no contexto das festividades religiosas de Israel.3

O salmista também percebeu a estreita conexão entre os movimentos dos corpos celestes e o cômputo do tempo, pois, em suas palavras, Deus "fez a Lua para marcar o tempo (mô*"*Ä“d); o Sol conhece a hora do seu ocaso." (Sl 104:19).

A relevância da pesquisa astronômica também é indicada no livro bíblico de Jeremias, em que se faz referência à intenção de Deus de firmar "nova aliança com a casa de Israel e com a casa de Judá" (Jr 31:31). A idéia de "firmar uma aliança com Seu povo", que é análoga à de Daniel 9:27 ("Ele fará firme aliança com muitos por uma semana"), aparece, por via indireta, associada às leis fixas do Sol, da Lua e das estrelas: "Assim diz o SENHOR, que dá o Sol para a luz do dia e as leis fixas à Lua e às estrelas para a luz da noite, que agita o mar e faz bramir as suas ondas; SENHOR dos Exércitos é o Seu nome. Se falharem estas leis fixas diante de Mim, diz o SENHOR, deixará também a descendência de Israel de ser uma nação diante de Mim para sempre." (Jr 31:35 e 36; cf. também Jr 33:20, 21, 25 e 26).

Assim, o Concerto Eterno, tema central das Escrituras, aparece vinculado aos períodos de tempo profético (Dn 9:27) e às leis fixas do Sol, da Lua e das estrelas (Jr 31:31-36). Não é de admirar, portanto, que em Apocalipse 12:1 a mulher-Igreja apareça "vestida do Sol com a Lua debaixo dos pés e uma coroa de doze estrelas na cabeça". O simbolismo é bem apropriado.

O que é a Astronomia?

A Astronomia nada mais é do que a ciência que se ocupa do estudo dos astros, abrangendo sua composição, estrutura e movimentos.

A Astronomia nada tem a ver com a Astrologia, que consiste no estudo da suposta influência dos astros no destino e comportamento humanos. A Astronomia é ciência e como tal se baseia na experimentação e, sobretudo, na observação. A Astrologia é misticismo. Ainda que se trate de um conhecimento milenar, não passa de crendice.

A Bíblia é bem enfática ao condenar os que "dissecam os céus e fitam os astros" para predizer "em cada lua nova" "o que há de vir sobre ti" (Is 47:13). Segundo as Escrituras, o único que conhece o futuro é Deus (Is 41:22, 23 e 26; 42:9; 44:7 e 8; 46:9-11; e 48:3 e 5-7). Por isso, é completamente inútil e tolo consultar astrólogos. A Bíblia também declara que os praticantes dessa falsa ciência são abominação aos olhos do Senhor (Dt 18:9-14).

Por outro lado, afirmam as Escrituras que Deus "faz sair o Seu exército de estrelas, todas bem contadas, as quais Ele chama pelo nome; por ser Ele grande em força e forte em poder, nem uma só vem a faltar" (Is 40:26). Ver também Salmos 147:4. Em Jó 38:31-33, Deus responde aos questionamentos de Seu servo com as seguintes palavras: "Ou poderás tu atar as cadeias do Sete-estrelo ou soltar os laços do Órion? Ou fazer aparecer os signos do Zodíaco ou guiar a Ursa com seus filhos? Sabes tu as ordenanças dos céus, podes estabelecer a sua influência sobre a Terra?" Essas passagens revelam que o uso indevido do conhecimento sobre os corpos celestes não anula a importância da verdadeira e sadia aplicação desse mesmo conhecimento. Pelo contrário, ao contemplar o salmista "os Teus céus, obra dos Teus dedos, e a Lua e as estrelas que estabeleceste", de seus lábios fluía o mais perfeito louvor: "Ó SENHOR, Senhor nosso, quão magnífico em toda a Terra é o Teu nome!" (Sl 8:3 e 9).

Visto que o saber astronômico é extremamente amplo, torna-se inviável descrevê-lo todo aqui, de modo que este capítulo se limitará a algumas informações básicas relevantes para o estudo dos calendários e da cronologia bíblica.

A Astronomia como Recurso de Datação

No verbete "Cronologia", a conceituada Enciclopédia Mirador menciona alguns recursos ou métodos de datação. De acordo com a Mirador, ao passo que a Geocronologia, a Dendrocronologia e o Carbono 14 permitem apenas datações aproximadas, a Astronomia freqüentemente garante uma "rigorosa datação matemática":

"4 Cronologia Astronômica. Constitui uma parte da astronomia que estuda as medidas de tempo, que decorrem de fenômenos ligados aos corpos celestes (Sol, Lua, estrelas, planetas, cometas etc.) e que se repetem regularmente. Essa repetição indefinida permite a predição e a determinação retrospectiva daqueles fenômenos. Assim, pode-se estabelecer, com exatidão matemática, o nascer helíaco de uma estrela, cujo ciclo seja conhecido, os eclipses do Sol, as conjunções dos planetas, a data da passagem de um cometa etc. Tais fenômenos astronômicos, confrontados com a documentação histórica, tornam freqüentemente possível a rigorosa datação matemática de acontecimentos históricos."

"5 Geocronologia. Integra a chamada geologia histórica, que estuda a sucessão das eras e épocas da Terra, visando a datá-las em termos de unidades de tempo astronômico. O movimento das geleiras, a sedimentação dos depósitos fluviais nos respectivos deltas, a erosão marítima dos litorais são alguns exemplos de fenômenos geológicos que têm sido utilizados para fins cronológicos, permitindo datações aproximadas. A geocronologia é de grande interesse para a paleontologia e para a pré-história.

"6 Dendrocronologia. Baseia-se no estudo das marcas (círculos concêntricos) que o crescimento anual das árvores deixa em seus troncos, possibilitando estabelecer séries cronológicas de razoável amplitude, quando se trata de espécies vegetais de vida longa, como as sequóias gigantes da Califórnia (até 3.250 anos). A dendrocronologia tem proporcionado dados valiosos para o conhecimento das variações do clima, sobretudo dos países nórdicos europeus. Em diversos casos, contribuiu para a datação aproximada de restos arqueológicos, graças a tábuas de madeira empregadas em construções. Sua utilização, no entanto, é muito limitada.

"7 O Carbono 14. Partindo do fato de que todas as substâncias orgânicas contêm carbono, pode-se determinar, aproximadamente, a idade de um vestígio orgânico, mediante a medida da taxa de sua radioatividade, isto é, da do carbono 14 nele presente (embora em quantidade ínfima), ao lado do carbono comum ou 12 (o algarismo indica o peso atômico). A datação pelo carbono 14 não permite abarcar um período superior a uns 20 mil anos e, ainda assim, com margem mínima de erros de cerca de um século. Revelou-se de grande utilidade na cronologia da pré-história e de épocas históricas remotas e pobres em documentos históricos." (grifo nosso)4

Não há dúvida, portanto, de que a Astronomia pode ser um poderoso instrumento para a datação dos eventos proféticos das 70 semanas.

A seguir, apresentaremos valiosos conceitos de Astronomia, Calendários e Cronologia Antiga para um melhor aproveitamento dos próximos capítulos. Caso não esteja interessado em absorver todo esse conteúdo agora, o leitor poderá avançar diretamente para o capítulo 3, que trata do desenvolvimento histórico da compreensão adventista da cronologia de Daniel 8:14 e 9:24-27. Nesse caso, sempre que julgar necessário, o leitor poderá voltar ao capítulo 2 para obter informações adicionais sobre determinado assunto.

 

1 A ordem "olha para os céus e conta as estrelas, se é que o podes" foi seguida da promessa "será assim a tua posteridade" (Gn 15:5). Que naquelas poucas palavras estava implícita a perspectiva messiânica se depreende da promessa original feita a Abraão, por ocasião de sua saída de Ur dos caldeus: "De ti farei uma grande nação, e te abençoarei, e te engrandecerei o nome. Sê tu uma bênção! Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; em ti serão benditas todas as famílias da terra." (Gn 12:2 e 3; cf. também Gn 22:15-18 e 26:2-5). Referindo-se a Gênesis 12:2 e 3, o apóstolo Paulo escreveu: "Ora, tendo a Escritura previsto que Deus justificaria pela fé os gentios, preanunciou o evangelho a Abraão: Em ti, serão abençoados todos os povos." "Ora, as promessas foram feitas a Abraão e ao seu descendente. Não diz: E aos descendentes, como se falando de muitos, porém como de um só: E ao teu descendente, que é Cristo." (Gl 3:8 e 16). Dessa forma, por meio do mais ilustre de seus descendentes (isto é, Jesus), Abraão haveria de ser um instrumento de bênção para toda a humanidade. Após o pôr-do-sol daquele mesmo dia, Abraão recebeu uma visão em que lhe foram revelados maiores detalhes acerca do plano de salvação e da vinda do Messias (Gn 15:12-21). Foi nessa ocasião que Deus firmou Seu pacto com Abraão (Gn 15:18). Ver Patriarcas e Profetas, 137; e O Desejado de Todas as Nações, 468 e 469. O próprio Jesus afirmou: "Vosso pai Abraão alegrou-se por ver o Meu dia, viu-o e regozijou-se." (Jo 8:56).
2 Flávio Josefo aplica a Abraão a referência de Berosus a "um homem justo e grandioso, e habilidoso na ciência celestial", o qual teria vivido "entre os caldeus" (Flavius Josephus, Antiquities of the Jews, 1:7:2, em The Works of Josephus, Complete and Unabridged, nova edição atualizada [Peabody, MA: Hendrickson Publishers, 1987], 38). De acordo com Josefo, Abraão teria ensinado aos egípcios "a aritmética, e entregou a eles a ciência da Astronomia" (Antiquities of the Jews, 1:8:2, em The Works of Josephus, Complete and Unabridged, 39). Quanto disso é fato histórico e quanto é exagerado apenas para pôr em relevo a figura de Abraão, é difícil precisar; mas a possibilidade de que o grande líder hebreu tivesse algum nível de saber astronômico existe, posto que ele era um emigrante da Caldéia, donde procedem muitos dos diários astronômicos cuneiformes descobertos no final do século XIX e começo do século XX.
3 Nas passagens a seguir, em que o contexto são as festividades religiosas israelitas, a Versão Almeida Revista e Atualizada verteu a palavra mô*"*Ä“d do modo indicado entre parênteses: Êxodo 13:10 ("no tempo determinado"); 23:15 ("ao tempo apontado"); 34:18 ("no tempo indicado"); Levítico 23:4 ("no seu tempo determinado"); Números 9:2, 3, 7 e 13 ("a seu tempo"); 28:2 ("a seu tempo determinado"); Deuteronômio 16:6 ("ao tempo"); e Salmos 104:19 ("tempo"). A mesma palavra é traduzida como "festas fixas", "solenidades", "festividades", "festas solenes" ou simplesmente "festa" nestas outras passagens: Levítico 23:2, 37 e 44. Números 10:10; 15:3; 29:39; 1 Crônicas 23:31; 2 Crônicas 2:4; 8:13; 31:3; Esdras 3:5; Neemias 10:33; Isaías 1:14; Lamentações 2:6, 7 e 22; Ezequiel 36:38; 44:24; 45:17; 46:9 e 11; Oséias 2:11; 9:5; 12:9; Sofonias 3:18; e Zacarias 8:19. Em Deuteronômio 31:10, mô*"*Ä“d é traduzida como "precisamente". Já em 2 Crônicas 30:22, ocorre como "ofertas da festa".
4 Enciclopédia Mirador Internacional (São Paulo - Rio de Janeiro: Encyclopaedia Britannica do Brasil, 1982), 5:3060 e 3061. Observação: Embora a Mirador se refira a 20 mil anos como o limite de confiabilidade para o método de datação pelo carbono 14, o horizonte temporal que a cronologia bíblica atribui para a existência de vida na Terra gira em torno de seis mil anos.

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