Tendo examinado os principais sistemas de calendário produzidos pelas mais importantes civilizações do mundo antigo, será de inestimável valor agora uma investigação acerca dos métodos utilizados por esses mesmos povos para datar os acontecimentos em termos de anos.

Os Cânones Epônimos

Entre os assírios, cada ano um alto oficial do Império era escolhido para ser o limmu, o qual emprestava seu nome para designar o ano. O mesmo método foi seguido pelos gregos, entre os quais o título correspondente a limmu era epônimo. Entre os romanos, cada ano era identificado pelos nomes dos dois cônsules em exercício, resultando nas Listas Consulares, de particular relevância para nosso assunto.

Os Anos de Reinado

Na Mesopotâmia, no Egito, na China, entre os hebreus e entre outros povos antigos, adotou-se o sistema dos anos de reinado. Essa prática não chegou a se generalizar na Roma Imperial. Possuía o inconveniente de fazer recomeçar a contagem sempre que um novo soberano subisse ao poder. Quaisquer omissões ou erros nas listas reais, como os decorrentes de reinados simultâneos em períodos de instabilidade política, viciavam o cômputo total.

Existiam dois métodos diferentes para o cálculo dos anos de reinado:

1) Com Ano de Ascensão. Quando um rei morria, o primeiro ano de seu sucessor não era contado a partir do dia imediatamente seguinte ao da morte do antigo rei, mas, sim, a partir do próximo Dia do Ano Novo. O período decorrido nesse intervalo era chamado de ano de ascensão. Se Siegfried Horn estiver certo, um exemplo desse método pode ser encontrado em 2 Reis 18:1, 9 e 10. Depois de informar que Ezequias subiu ao trono no terceiro ano de Oséias, o autor do livro declara que o cerco de Samaria começou no quarto ano de Ezequias, o sétimo de Oséias, e findou três anos depois, no sexto ano de Ezequias, o nono de Oséias. De acordo com Horn, a perfeita harmonia de todas essas informações só é possível mediante a aplicação do sistema do ano de ascensão, como pode ser demonstrado pelo esquema a seguir.

2) Sem Ano de Ascensão. Por esse sistema, empregado no Egito e também indicado na Bíblia, o período imediatamente seguinte ao da ascensão do novo monarca já era considerado o primeiro ano de reinado. Assim, a primeira parte do ano era calculada em termos do reinado do antigo monarca, enquanto que a última parte era datada em termos do novo soberano. Um claro exemplo desse método é dado em 1 Reis 15:25 e 28. Nadabe de Israel subiu ao poder no segundo ano de Asa de Judá. Nadabe reinou por dois anos e foi assassinado no terceiro ano de Asa. Obviamente, apenas o sistema que não utiliza o ano de ascensão permite a exata combinação dessas informações, como pode ser demonstrado pelo esquema abaixo.

Quando um documento antigo estabelece a data de um evento em termos dos anos de reinado de um governante qualquer, torna-se indispensável identificar qual dos dois sistemas está sendo utilizado para a exata localização na escala a.C. - d.C. do ano em consideração.

As Olimpíadas

Além do esquema ateniense de contagem (lista de archons - os epônimos), todos os Estados Gregos utilizavam as Olimpíadas como sistema de datação. Consistiam no período de quatro anos compreendidos entre os Jogos Olímpicos. A data tradicionalmente aceita do primeiro ano da primeira Olimpíada é 776/775 a.C. (do meio do verão setentrional ao meio do verão seguinte). O fato de essa data ser apenas tradicional não prejudica a utilidade cronológica dessa escala mais do que uns poucos anos de erro na data do nascimento de Cristo afetam a validade da Era Cristã. A datação pelas Olimpíadas foi utilizada por escritores gregos e romanos e também pelo historiador judeu Flávio Josefo.

A Era Selêucida

Com a fragmentação política do Império de Alexandre, um de seus generais, Seleuco, deu início a uma série de reis que governaram sobre a Ásia Menor, a Síria, a Palestina e a Mesopotâmia. Em Babilônia, onde o ano começava na primavera, contou-se o início do reinado de Seleuco a partir de abril de 311 a.C., enquanto que, pelo Calendário Macedônico, cujo ano começava no outono, o início do mesmo reinado retrocedia a outubro de 312 a.C. A Era Selêucida se difundiu por todo o Oriente Médio, figurando no livro apócrifo dos Macabeus e tendo sido adotada até mesmo pelos reis arsácidas, que a acrescentaram à era de sua própria monarquia (247/246 a.C.).

A Era da Fundação de Roma

Conhecida em latim como ab urbe condita (A.U.C., desde a fundação da cidade, ou seja, de Roma), seu uso foi tardio entre os historiadores romanos. Difundiu-se sobretudo no período do Baixo Império, apesar de nos documentos oficiais ter sido mantida a datação por cônsules, mesmo durante vários séculos após o desaparecimento da República. A Era da Fundação de Roma tem como ponto de partida a data de 21 de abril de 753 a.C., dia e mês em que era celebrada a inauguração daquela cidade.

A Era Cristã

Em 525 d.C., um monge, chamado Dionísio Exíguo (ou, o Pequeno), propôs que todos os eventos fossem datados a partir do nascimento de Jesus, que ele fixou no ano 753 da fundação de Roma.

Para os anos a partir do nascimento de Cristo, a contagem é feita em ordem crescente; para os anteriores a esse acontecimento, em ordem decrescente. Não há um ano zero. Portanto, o dia 31 de dezembro de 1 a.C. é seguido pelo dia 1º de janeiro do ano 1 d.C. (ou 1 A.D., sigla latina para Anno Domini, ou seja, ano do Senhor)27. Seguindo essa lógica, o ano 1 d.C. é o primeiro ano do século 1 e o ano 100 d.C., o último. Por conseguinte, o ano 2000 d.C. é o último do século 20 e também do terceiro milênio. Por essa razão, o novo milênio só começou de fato em 1º de janeiro de 2001 d.C.

A inexistência do zero entre 1 a.C. e 1 d.C. altera em 1 ano o cálculo de períodos que se iniciam antes de Cristo e terminam durante a Era Cristã. Por que isso ocorre?

À primeira vista, se as 69 semanas proféticas, ou 483 dias-anos, têm início no ano 457 a.C., o batismo de Jesus deveria ocorrer no ano 26 d.C., pois 483 - 457 = 26. No entanto, visto não existir um ano zero na escala a.C. - d.C., esse cálculo deve ser efetuado de outro modo.

A falta de um ano zero impede a realização de cálculos que utilizem simultaneamente anos a.C. e d.C., como se pode verificar pelo seguinte exemplo:

Se subtrairmos o número 3 do número cardinal 10, o resultado será 7. Podemos representar graficamente essa conta de duas maneiras:

Primeira maneira: 10 - 3 = 7

Segunda maneira: conforme o gráfico a seguir

Essa segunda representação gráfica demonstra que as operações matemáticas de subtração passam necessariamente pela casa do zero. Como, porém, não existe um ano zero entre os anos a.C. e d.C., percebeuse a necessidade da criação de outra escala, o mais semelhante possível com a escala a.C. - d.C., na qual houvesse um ano correspondente ao zero, para a qual fosse possível converter as datas antes de Cristo e depois de Cristo. Nessa nova escala, o ano 1 d.C. equivaleria a +1, o ano 2 d.C., a +2, e assim sucessivamente. O ano 1 a.C. equivaleria ao zero; o ano 2 a.C., a -1; o ano 3 a.C., a -2; e assim também sucessivamente. O gráfico abaixo ilustra bem a relação entre essas duas escalas. Por ser utilizada predominantemente pelos astrônomos, a escala que contém o ano zero é chamada de astronômica. Foi idealizada por Jacques Cassini, em meados do século XVIII.

Diante do exposto, percebe-se claramente por que as 69 semanas (483 anos) findam no ano 27. O ano 457 a.C. equivale a -456 da escala astronômica, de maneira que o cálculo resulta em + 27, que corresponde ao ano 27 da Era Cristã: 483 - 456 = +27.

O Período Juliano

O Período Juliano constitui num ciclo de 7.980 anos, resultantes da multiplicação dos valores da indicção28 (15 anos), do ciclo metônico (19 anos) e do ciclo solar29. Este último abrange um período de 28 anos, findos os quais cada dia do ano volta a corresponder ao mesmo dia da semana.

O Período Juliano foi idealizado pelo francês Joseph Julius Scaliger (1540 d.C. - 1609 d.C.) em 1583, na obra De Emendatione Temporum. Esse período começa às 12h do dia 1º de janeiro de 4713 a.C., uma segundafeira, e segue o Calendário Juliano30. O objetivo de Scaliger era criar uma escala que abrangesse um longo período de tempo e que assim permitisse individualizar cada ano por um número diferente.

Dessa forma, o meio-dia de 1º de janeiro de 4713 a.C. (ponto inicial da escala) seria identificado pelo número 0,0000; 12h01 desse mesmo dia já seria representado pelo número 0,0007; as 12h do dia 2 de janeiro teriam como designação o número 1,0000; daí para a frente, a progressão segue ininterruptamente.

O ponto de partida da escala é uma segunda-feira, o que permite identificar em que dia da semana situa-se qualquer ponto do período. Basta tomar a data juliana (por exemplo, o dia 1º de fevereiro de 2001: 2.451.942) e dividi-la por 7 (2.451942 ÷ 7 = 350.277,4285); desconsiderando o valor inteiro, deve-se multiplicar a fração por 7 também (0,4285 x 7 = 2,9995); arredondando o valor obtido (2,9995 = 3) e contando essa quantidade de dias desde uma segunda-feira, encontra-se o dia da semana equivalente à data juliana desejada (no caso, uma quinta-feira).

Outra observação relevante é que o número de dias decorridos até um ano qualquer do período pode ser obtido multiplicando 365,25 pelo número de anos do intervalo.

A compreensão desse ciclo assumirá particular relevância na utilização de informações de cunho astronômico para a localização da data exata da morte de Jesus.

26 Tratado Rosh Hashanah 1:1, disponível em: <http://www.sacred-texts.com/jud/t02/ros03.htm>, acesso em: 01 mar. 2007. A rigor, a Bíblia situa o início do ano jubileu, e conseqüentemente do ano sabático, em 10 e não em 1º de Tishri. Ver Levítico 25:9.

27 A literatura especializada utiliza também as siglas E.C. (isto é, Era Comum), como equivalente de d.C. e A.D., e A.E.C. (isto é, Antes da Era Comum), como equivalente de a.C.

28 De ano em ano, o montante do imposto territorial era fixado, no período do Baixo Império Romano, em 1º de setembro, avaliação essa que recebia o nome de indictio canonica. A cada 15 anos, fazia-se a revisão cadastral correspondente, período que ficou conhecido pelo nome de indicção. Dos ciclos que constituem a base do Período Juliano, somente o da indicção não possui nenhum vínculo com fenômenos astronômicos, sendo, portanto, de origem unicamente civil.

29 Como é do conhecimento geral, cada ano começa num dia de semana diferente. Por exemplo, o dia 1º de janeiro de 1999 d.C. foi uma sexta-feira; o mesmo dia no ano seguinte (2000 d.C.) foi um Sábado. Isso permite a existência de 7 configurações diferentes para os dias do ano. Visto, no entanto, que, de quatro em quatro anos, o Calendário Juliano-Gregoriano prevê a inserção de um 366º (trecentésimo sexagésimo sexto) dia, o número de configurações dos dias do ano sobe para 28 (7 x 4 = 28), valor esse denominado ciclo solar. Em termos práticos, ele indica que os dias do ano só coincidirão com os mesmos dias da semana após um período de 28 anos.

30 Alguns acreditam que a denominação Período Juliano (ou Era Juliana) tenha sido uma homenagem ao pai de seu idealizador, Julius Caesar Scaliger. Outros pensam que sua origem esteja na utilização do valor do ano juliano (365,25 dias) no cálculo do Período.

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