Testemunho Particular de Henderson Hermes Leite Velten

Desde meus primeiros contatos com o Adventismo, percebi que a cronologia profética de Daniel 8:14 e 9:24-27 ocupava uma posição de destaque em seu sistema doutrinário. Ellen G. White escreveu que "a compreensão correta do ministério no santuário celestial constitui o alicerce de nossa fé"1, o que evidentemente inclui a data crucial de 1844, posto que ela se refere ao "santuário, em conexão com os 2.300 dias" como integrando aquele conjunto básico de doutrinas ("a verdade presente") que o Adventismo está incumbido de proclamar:

"Há muitas verdades preciosas contidas na Palavra de Deus, mas é a *"*verdade presente*"* que o rebanho necessita agora. Tenho visto o perigo de os mensageiros se afastarem dos importantes pontos da verdade presente, para se demorarem em assuntos que não são de molde a unir o rebanho e santificar a alma. Satanás tirará disto toda vantagem possível para prejudicar a Causa. Mas assuntos como o santuário, em conexão com os 2.300 dias, os mandamentos de Deus e a fé de Jesus, são perfeitamente apropriados para esclarecer o passado movimento adventista e mostrar qual é nossa presente posição, estabelecer a fé do vacilante e dar a certeza do glorioso futuro. Esses, tenho freqüentemente visto, são os principais assuntos nos quais os mensageiros se devem demorar." (grifo nosso)2

O papel singular que Ellen G. White reserva para 1844 no arcabouço teológico adventista pode ser melhor avaliado a partir do registro de uma conversa particular que ela entreteve com A. G. Daniells, presidente da Associação Geral da IASD, e cujo teor foi relatado à Conferência Bíblica de 1919. O registro dessa conferência foi originalmente publicado em Spectrum, vol. 10, n.º 1, pp. 23 a 57.3 O trecho transcrito a seguir é particularmente digno de nota:

"A. G. Daniells: [...] peguei Primeiros Escritos e o li para ela, e daí lhe falei da controvérsia. Passei longo tempo com ela. Era um daqueles dias em que ela se sentia feliz e serena, e então lhe expliquei tudo completamente. Disse: *"*Aqui a senhora diz que lhe foi mostrado que a posição sobre o *"*contínuo*"* defendida pelos irmãos estava correta. Agora*"*, continuei, *"*há duas partes aqui neste *"*contínuo*"* que a senhora menciona. Uma é este período de tempo, os 2.300 anos, e a outra é o *"*contínuo*"* em si.*"*

"Repassei tudo com ela, e cada vez ela dizia, tão logo chegava a esse [período de] tempo: *"*Ora, eu sei o que me foi revelado - que o período de 2.300 dias estava fixado, e que não haveria tempo definido após isso. Os irmãos estavam corretos ao chegarem à data de 1844.*"*

"Então eu deixava esse ponto, e prosseguia sobre o tema do *"*contínuo*"*. *"*Ora, irmão Daniells*"*, ela dizia, *"*eu não sei o que é esse *"*contínuo*"*, se é o paganismo ou o ministério de Cristo. Isso não é o que me foi mostrado.*"*. E ela fugia daquela zona nebulosa imediatamente. Então, quando eu retornava aos 2.300 anos, ela se aprumava e declarava: *"*Este é o ponto do qual jamais podemos nos desviar. Digo-lhe que nunca poderá se desviar do período de 2.300 anos. Foi-me revelado que este tempo estava fixado.*"*" (tradução e grifo nossos)

A resposta de Ellen G. White dá a entender que possivelmente ela estivesse disposta a fazer concessões noutras áreas do pensamento teológico, desde que houvesse boas razões escriturísticas para isso, mas jamais na data de 1844, pois este era um ponto que, segundo lhe fora mostrado, tinha sido fixado por Deus.

A abertura de Ellen G. White para reformulações doutrinárias noutros aspectos da teologia adventista ficou evidente, por exemplo, na discussão de Jones e Waggoner sobre a interpretação da Lei em Gálatas, mas, com respeito a 22 de outubro de 1844, ela não estava disposta a fazer nenhuma concessão, pois, do contrário, o próprio alicerce em que se firmava o edifício da fé adventista ruiria completamente. Isso dá uma dimensão da importância de 1844 para o Movimento Adventista.

Com efeito, sem 1844, não há nenhum critério de ordem objetiva pelo qual se possa associar os três anjos de Apocalipse 14 ao Adventismo. À a frase "pois é chegada a hora do Seu juízo" (Ap 14:7) que cria um elo com Daniel 8:14 e condiciona o surgimento da primeira mensagem angélica aos anos 1840. A segunda mensagem angélica surgiu por causa da rejeição das igrejas protestantes à proclamação da hora do Juízo4 e a terceira mensagem angélica decorreu da compreensão de que 1844 marcara o início do ministério de Jesus no Lugar Santíssimo do Santuário Celestial e de que a Lei de Deus, guardada dentro da arca da aliança, conserva sua plena vigência5. Isso explica por que Ellen G. White se refere a Daniel 8:14 como "base", "coluna central" e "senha" de nossa fé6.

Não é à toa que consideráveis porções de seus livros mais importantes se dediquem ao tema. A explanação de Ellen G. White sobre Daniel 8:14 e 9:24-27 pode ser encontrada em: Profetas e Reis, capítulo "A Vinda de Um Libertador", pp. 698-700; O Desejado de Todas as Nações, capítulo "O Reino de Deus Está Próximo", pp. 233 e 234; e O Grande Conflito, capítulos "Uma Profecia Muito Significativa", pp. 324-328, e "O Santuário Celestial - Centro de Nossa Esperança", pp. 409 e 410.

Transcrevo a seguir um trecho dos escritos de Ellen G. White que resume muito bem a compreensão adventista dos períodos proféticos de Daniel 8:14 e 9:24-27:

"Verificara-se que os 2.300 dias começavam quando a ordem de Artaxerxes para a restauração e edificação de Jerusalém entrou em vigor, no outono de 457 antes de Cristo. Tomando isto como ponto de partida, havia perfeita harmonia na aplicação de todos os acontecimentos preditos na explicação daquele período de Daniel 9:25-27. Sessenta e nove semanas, os primeiros 483 anos dos 2.300, deveriam estender-se até o Messias, o Ungido; e o batismo e unção de Cristo, pelo Espírito Santo, no ano 27 de nossa era, cumpriu exatamente esta especificação. No meio da setuagésima semana o Messias deveria ser tirado. Três e meio anos depois de Seu batismo; na primavera do ano 31, Cristo foi crucificado. As setenta semanas, ou 490 anos, deveriam pertencer especialmente aos judeus. Ao expirar este período, a nação selou sua rejeição de Cristo, pela perseguição de Seus discípulos, e, no ano 34, os apóstolos voltaram-se para os gentios. Havendo terminado os primeiros 490 anos dos 2.300, restavam ainda 1810 anos. Contando-se desde o ano 34 de nossa era, 1810 anos se estendem até 1844. *"*Então*"*, disse o anjo, *"*o santuário será purificado.*"*"7

Não obstante meu encantamento pela profecia das 70 semanas, tal como exposta por Ellen G. White, certos detalhes do esquema profético me inquietavam, pois não conseguia entender sua razão de ser. [1] Não me parecia lógico, por exemplo, que Esdras tivesse saído de Babilônia em 1º de Nisan, isto é, no começo da primavera, e o cômputo dos períodos proféticos só viesse a começar no outono (seis meses mais tarde). Eu não conseguia encontrar nenhuma linha de evidência dentro do livro de Esdras que desse respaldo para isso, e, no entanto, este é um artigo da fé adventista, inconfundivelmente exposto em O Grande Conflito. Sua autora, Ellen G. White, declara não apenas que o início da purificação do Santuário Celestial se deu em 22 de outubro de 1844, portanto no outono, mas que as 2.300 tardes e manhãs, período profético que conduz a essa data, também começaram no outono, mais precisamente no outono de 457 a.C., quando entrou em vigor o decreto de Artaxerxes.

[2] Outro problema que me afligia era a própria maneira de calcular os períodos de tempo profético. Subtraindo 2.300 anos de 457 a.C., o resultado que se podia obter numa calculadora comum era 1843 d.C., um erro de um ano no cômputo da profecia. Embora pequeno, um erro dessa natureza era intolerável para quem esperava - como eu - encontrar a digital de Deus na profecia de Daniel 9.

[3] Havia ainda um problema mais sério, concernente à validade histórica do ano 457 a.C.: praticamente todos os livros e enciclopédias que eu consultava apontavam 458 a.C., e não 457 a.C., como o ano do retorno de Esdras.

[4] A data do batismo de Jesus era outra séria dificuldade. A literatura teológica da Igreja Adventista geralmente define o décimo quinto ano de Tibério César como o período compreendido entre o outono de 27 d.C. e o outono de 28 d.C.; mas, como poderia ser esse o caso se João Batista, o homem que deveria preparar os caminhos do Senhor (Lc 1:76; e Jo 3:28), também começara seu ministério no ano 15 de Tibério e, segundo o cálculo adventista dos cômputos proféticos, Jesus tinha sido batizado justamente no outono de 27 d.C.? Nessa perspectiva, um décimo quinto ano de Tibério começando no outono do ano 27 não permitiria que João tivesse tempo suficiente para realizar sua obra de preparação antes que Cristo fosse batizado.

Como se essas divergências já não fossem o bastante, [5] havia ainda as informações aparentemente inconciliáveis dos Sinóticos e do Evangelho de João concernente à data judaica da morte de Jesus: teria Ele morrido num 14 ou num 15 de Nisan? [6] E o que dizer do Festival das Primícias? Quando era ele celebrado: no domingo da semana dos Ázimos ou em 16 de Nisan?

Na busca por respostas para essas e outras questões, vasculhava todos os comentários sobre os livros de Daniel e Esdras a que conseguia ter acesso. Também procurava encontrar obras específicas sobre cronologia profética, além de investigar enciclopédias bíblicas. Reunindo as melhores informações que pude encontrar, criei minhas próprias explicações para os referidos problemas, apesar de muitas delas não me deixarem inteiramente satisfeito. Eu próprio não estava convencido de minhas conclusões.

Então, no início de 1997, conheci Juarez Rodrigues de Oliveira, tradutor público juramentado e intérprete de Inglês/Português, o qual dedicara cerca de duas décadas ao desenvolvimento de extensa pesquisa sobre a cronologia profética de Daniel 8 e 9. Em sua busca por fontes primárias no campo da História Geral, Arqueologia, Cronologia do Mundo Antigo, Cronologia Bíblica e História Denominacional Adventista, bem como pelos melhores dados e recursos astronômicos disponíveis, Juarez visitou algumas instituições, universidades e bibliotecas e conversou com especialistas naquelas diversas áreas em Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, no Brasil; nas Universidades de Princeton, Harvard, e Andrews, além da Biblioteca do Congresso Americano, nos Estados Unidos; no Museu Britânico, e nas Universidades de Durham, Oxford e Cambridge, além do Newbold College, na Inglaterra. Esteve também no White Estate, onde colheu informações preciosas sobre a compreensão millerita dos esquemas proféticos de Daniel.

Na primeira conversa que tive com ele, meu castelinho de explicações forçadas e descontextualizadas foi lançado ao chão. Jamais me esquecerei daquele dia. Saí daquele primeiro encontro confuso e chate ado, pois fiquei com a impressão de que todo o esquema teológico que havia erigido estava errado e que agora não mais possuía um bom fundamento em que alicerçar minha fé. E de fato, boa parte das explicações que eu havia aprendido de alguns autores sobre o assunto gerava mais dificuldades que soluções, além de não estar ancorada num "Assim diz o Senhor", muito menos em dados científicos.

Após alguns meses, procurei Juarez novamente para investigar mais a fundo o que ele tinha a me apresentar sobre a cronologia profética de Daniel 8 e 9. Qual não foi minha surpresa ao descobrir, já no primeiro encontro, uma profundidade tal como jamais imaginara conhecer! Fiquei maravilhado! Se Deus Se dignara a revelar detalhes tão fabulosos em Sua Palavra e se Ele Se servira de Juarez para sistematizar todas aquelas informações, então eu não poderia fazer outra coisa senão me dedicar ao assunto, a fim de manejá-lo bem e divulgá-lo ao mundo.

Dediquei dois anos ao estudo dos arquivos de Juarez para ser capaz de apresentar suas conclusões com fluência e eficiência. De lá para cá, continuo me aperfeiçoando na compreensão do assunto, e o incrível é que sempre tenho aprendido coisas novas, não apenas detalhes de menor importância, mas também coisas grandiosas, eficazes para dissolver a praga do ceticismo que domina os corações dos homens desta era.

Com o forte senso do dever de tornar conhecidas essas verdades ao mundo, criei em 2001 o site www.concertoeterno.com, com sua Série de Estudos "A Plenitude dos Tempos". Por sua vez, Juarez publicou em 2004 um sumário de sua pesquisa, sob o título Chronological Studies Related to Daniel 8:14 and 9:24-27, pela editora do Centro Universitário Adventista de São Paulo - UNASP, com o incentivo de professores de Teologia do Seminário Adventista Latino-Americano - SALT, particularmente do Dr. Alberto R. Timm, à época diretor do Centro White no Brasil e atual reitor do SALT, o qual faz a apresentação do livro. E agora, eu e Juarez temos a satisfação de entregar ao público mais esta realização - A Astronomia e a Glória do Adventismo - Um Estudo sobre a Precisão do Cálculo Profético de Daniel 8:14 e 9:24-27, que é o resultado da mescla de minha pesquisa pessoal8 com a de Juarez. A bem da verdade, os pontos altos e determinantes do livro são provenientes da pesquisa de Juarez, mas a disposição lógica do assunto, bem como sua redação, é de minha exclusiva autoria, o que explica a linguagem deste primeiro capítulo na primeira pessoa. À oportuno esclarecer também que esta é uma obra inteiramente nova e não mera tradução de Chronological Studies Related to Daniel 8:14 and 9:24-27.

Aos leitores, esclarecemos que este livro não foi escrito para ser lido como geralmente se lê uma obra de ficção, uma biografia ou uma coletânea de textos devocionais. Ainda que tenhamos nos esforçado por apresentar a matéria numa linguagem e metodologia acessíveis, não poderíamos prescindir da profundidade que nossa abordagem requer, sob pena de cairmos no lugar comum de outros trabalhos existentes sobre Daniel 8:14 e 9:24-27, deixando assim de trazer importantes contribuições para a defesa da interpretação adventista. Este é um livro para ser estudado com calma e atenção, fazendo-se necessário reler por duas ou três vezes alguns parágrafos mais complexos. Isso se aplica especialmente aos capítulos 4, 5, 6, 8 e 10. Além disso, em razão do elevado número de informações de cunho essencialmente técnico, aconselhamos que a leitura seja acompanhada de pincel marcador de texto, caneta ou lápis, bloco de anotações e calculadora; e, para melhor aproveitamento do conteúdo, recomendamos aos leitores que examinem cuidadosamente cada gráfico e imagem, além das fontes indicadas em notas de rodapé, especialmente sites e programas disponíveis na rede mundial de computadores - a Internet.

Em A Astronomia e a Glória do Adventismo, apresentaremos as evidências matemáticas, históricas e astronômicas que apóiam nossas datas de 457 a.C., 27 d.C., 31 d.C. e 1844 d.C. Não nos ocuparemos demasiadamente com o ano 34 d.C., data do encerramento das 70 semanas, quando teria ocorrido o apedrejamento de Estevão e a primeira perseguição à Igreja, porque as informações de Atos dos Apóstolos só permitem uma datação aproximada.

Nosso objetivo ao divulgar essa pesquisa é múltiplo: [1] proporcionar as informações e ferramentas necessárias para que, no desempenho de sua atividade evangelística, nossos irmãos possam levar os interessados a seguirem a Cristo pela razão e não pela emoção (Rm 12:1), de modo a estarem "sempre preparados para responder a todo aquele que" "pedir razão da esperança" que neles há (1Pe 3:15); [2] desafiar o ceticismo do mundo hodierno para que tente oferecer objeções suficientemente fortes para invalidar o esquema matemático, histórico e astronômico da profecia das 70 semanas, que atesta a inspiração das Escrituras e a realidade de Jesus e de Seu ministério, primeiramente na Terra e agora no Céu; e, por fim, [3] comprovar matematicamente o início do Juízo Investigativo em 1844, bem como da pregação da tríplice mensagem angélica (Ap 14:6-12), com seu foco na vindicação da Lei de Deus e do santo Sábado.

Que esta obra seja um instrumento nas mãos de Deus para a promoção da Causa do Advento, para o fortalecimento da fé do vacilante e para a salvação de almas, é minha sincera oração!

 

 

1 Ellen G. White. Evangelismo, 3ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1997), 221.

2 Id. Primeiros Escritos, 4ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1991), 63.

3 Report of Bible Conference for July 30, 1919, página 1206, disponível em: <www.adventistarchives. org/docs/RBC/RBC1919-07-30/index.djvu>, acesso em: 01 mar. 2007.

4 Ellen G. White, O Grande Conflito, 380 e 389.

5 Id., Primeiros Escritos, 254.

6 Id., O Grande Conflito, 409.

7 Ellen G. White, O Grande Conflito, 410.

8 Decorrem exclusivamente de minha pesquisa pessoal e não do trabalho de Juarez as discussões sobre o momento da "saída da ordem", no capítulo 5 (pp. 149 - 159); o cumprimento escatológico de Trombetas, Tabernáculos e Jubileu, no capítulo 9 (pp. 285 - 319); e o modo como Flávio Josefo calculou os anos de reinado de Herodes, no Apêndice Final 9 (pp. 421 e 422).

Veja Mais dados Novos Conteúdos