A reconstrução do passado.

Um químico pode, a qualquer instante, combinar vários elementos em determinadas condições e proporções para comprovar resultado já obtido anteriormente. Poderá também experimentar outras combinações ou ainda se restringir àquela já escolhida, em proporções e condições diferentes, para tentar provar alguma hipótese. O próprio caráter da química é ser experimental, razão pela qual o cientista, utilizando-se de determinada metodologia, pode fazer afirmações universais, fundadas exatamente nos experimentos.

O pesquisador que tem como matéria-prima o passado não tem esse recurso. Pelo menos enquanto a máquina do tempo não for viabilizada (sonhar é preciso...), não temos como saber exatamente o que aconteceu no passado. À bem verdade que se utilizássemos uma maquininha corriqueira, daquelas que aparecem em filmes de ficção científica, correríamos sérios riscos: poderíamos ver algumas coisas acontecendo, mas não saberíamos como explicá-las. Por vezes, ver a aparência das coisas é a maneira mais distante de conhecer sua essência. Em vista disso, temos algo que se chama teoria ou método, que é a forma pela qual tentamos, a partir da aparência, chegar à essência das coisas. Admitimos, portanto, chegar ao passado, equipados por uma belíssima máquina e por uma metodologia adequada. Nosso conhecimento tomar-se-ia muito mais rico, sem dúvida.

Mas o fato é que essa máquina não existe. E nós queremos saber o que aconteceu ao nosso aventureiro Homo erectus, que há 1 milhão de anos saiu da África centro-oriental. Como refazer seus passos? Como recompor seu cotidiano, imaginar suas práticas, conhecer seus valores? Como saber se esses homens viviam isolados ou em grupos, formavam famílias, desenvolviam crenças? Como chegar a seres tão distantes no tempo, considerando que só de poucos milênios para cá o homem inventou a escrita?

Cientistas e pensadores contemporâneos têm tentado responder a essas questões através de, basicamente, três formas, isoladas ou combinadas:

1) o raciocínio lógico e a teoria;

2) escavações e análise de vestígios;

3) observação de grupos contemporâneos que, supostamente, tenham padrões de existência semelhantes.

Arte neolítica que representava a pratica de criação de animais.

 

 

Todos os métodos têm suas vantagens e seus limites.

Conhecer o passado apenas através de argumentos lógicos e de teorias argutamente concebidas e habilmente formuladas pode transformar-se num excelente exercício mental, mas não necessariamente em algo mais do que isso. Já no século XIX os cientistas sociais estabeleceram uma linha divisória entre as sociedades contemporâneas "civilizadas" * as chamadas sociedades complexas* e as "pré-civilizadas", as chamadas simples ou primitivas. O pressuposto implícito nessa concepção era o de que todos os grupos sociais haviam passado por etapas mais primitivas.

Alguns teriam evoluído até chegar ao ponto em que os europeus (e as nações "civilizadas" pelos europeus) se encontravam. Outros continuariam marcando passo, permanecendo no mesmo estado durante séculos e séculos (seriam as tribos africanas e americanas, entre outros grupos). A idéia era a de que a um primarismo tecnológico corresponderiam uma organização social incipiente, um sistema de crenças baseado em superstições infantis, e uma arte ingênua, o tempo todo tomado pela preocupação angustiante da sobrevivência.

Durante muito tempo chegou-se a comparar o homem "primitivo" a uma criança, no sentido de que sua mente era pré-lógica. Segundo alguns, a lógica seria uma criação dos gregos, momento de ruptura entre civilização e barbárie...

Hoje essas concepções são objeto de severa revisão. Podemos até compreender a auto-suficiência do europeu do século XIX desenvolvendo a indústria, colonizando o planeta todo, criando a ciência moderna e contrapondo-a à visão teológica do medievo, assentando as bases do que julgara ser um mundo de abundância e saber. Hoje, porém, quando questionamos as conseqüências desse progresso, que aparentemente tinha como meta a felicidade humana, não podemos continuar repetindo a mesma divisão.

Sabemos que riqueza técnica e progresso material não representam, necessariamente, garantia de riqueza espiritual ou artística, ou de organização social. E que dizer da felicidade de seus membros, objetivo final de qualquer grupo? Ou não será essa a meta das sociedades humanas?

Será que a evolução da humanidade, em termos materiais e de teorias, cada vez mais sofisticadas, vem garantindo à grande massa da humanidade uma boa qualidade de vida? E mesmo entre aqueles que possuem batedeiras e videocassete e moram em apartamentos com sauna e guarita, vive-se uma vida sem tensões e competitividade, plena de paz, compreensão e solidariedade?

Não pretendemos condenar nossos avanços tecnológicos, mas será que nada temos para aprender dos "pré-civilizados"?

O perigo das grandes teorias é que, quando confrontadas com fatos, tomam aparência de dogmas de fé. Entre a teoria imaginada e fatos comprovados, os místicos da ciência abstrata decidem, sem dó: pior para os fatos; quem mandou eles ousarem enfrentar nossa bela concepção teórica?

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