Atos dos Apóstolos

Atos dos Apóstolos 40 - Paulo Apela Para César - O que os cristãos precisarão para enfrentar o ódio daqueles que um dia abandonaram a Luz Verdadeira?

    "Entrando pois Festo na província, subiu dali a três dias de Cesaréia a Jerusalém. E o sumo sacerdote e os principais dos judeus compareceram perante ele contra Paulo, e lhe rogaram, pedindo como favor contra ele que o fizesse vir a Jerusalém." Atos 25:1-3. Fazendo este pedido tinham como plano armar-lhe ciladas no caminho para Jerusalém e matá-lo. Mas Festo tinha alto senso da responsabilidade de sua posição, e cortesmente se eximiu de enviar Paulo. Respondera "não ser costume dos romanos entregar algum homem à morte, sem que o acusado tenha presentes os seus acusadores, e possa defender-se da acusação". Atos 25:16. Declarou que "brevemente partiria" para Cesaréia. "Os que pois, disse, dentre vós têm poder, desçam comigo e, se neste varão houver algum crime, acusem-no." Atos 25:4 e 5.
    Não era isto o que os judeus desejavam. Não haviam esquecido sua anterior derrota em Cesaréia. Em contraste com a calma atitude do apóstolo e seus irretorquíveis argumentos, a própria malignidade do espírito deles e suas descabidas acusações apareceriam da pior maneira possível. De novo insistiram para que Paulo fosse enviado a Jerusalém para ser julgado, mas Festo manteve firmemente seu propósito de proporcionar a Paulo um julgamento justo em Cesaréia. Deus em Sua providência controlou a decisão de Festo, para que a vida do apóstolo fosse poupada.
    Havendo falhado seus propósitos, os líderes judeus imediatamente se prepararam para testemunhar contra Paulo perante o tribunal do procurador. Havendo retornado a Cesaréia, depois de poucos dias de permanência em Jerusalém, Festo "no dia seguinte, assentando-se no tribunal, mandou que trouxessem Paulo". "Os judeus que haviam descido de Jerusalém", "o rodearam, trazendo contra Paulo muitas e graves acusações, que não podiam provar." Atos 25:6 e 7. Estando nessa ocasião sem um advogado, os próprios judeus apresentaram suas acusações. Ao prosseguir o julgamento, o acusado com calma e mansidão mostrou claramente a falsidade das acusações.
    Festo compreendeu que a questão em disputa se prendia inteiramente a doutrinas judaicas, e que, convenientemente entendido, nada havia nas acusações feitas a Paulo, pudessem elas ser provadas, que merecesse sentença de morte, ou mesmo de prisão. Contudo, viu com clareza a tempestade de ódio que se levantaria se Paulo não fosse condenado ou entregue às mãos deles. "Todavia Festo, querendo comprazer aos judeus" (Atos 25:9), voltando-se para Paulo, perguntou se estava disposto a ir a Jerusalém sob sua proteção, para ser julgado pelo Sinédrio.
    O apóstolo sabia que não podia esperar justiça do povo que, por seus crimes, estava atraindo sobre si a ira de Deus. Sabia que, como o profeta Elias, estaria mais seguro entre os pagãos do que com os que haviam rejeitado a luz do Céu e endurecido o coração contra o evangelho. Cansado de contendas, seu ativo espírito mal podia suportar as repetidas delongas e fatigante retardamento de seu julgamento e prisão. Decidiu, pois, valer-se de seu privilégio, como cidadão romano, de apelar para César.
    Em resposta à pergunta do governador, Paulo disse: "Estou perante o tribunal de César, onde convém que seja julgado; não fiz agravo algum aos judeus, como tu muito bem sabes. Se fiz algum agravo, ou cometi alguma coisa digna de morte, não recuso morrer; mas, se nada há das coisas de que estes me acusam, ninguém me pode entregar a eles; apelo para César." Atos 25:10 e 11.
    Festo nada sabia das conspirações dos judeus para matar a Paulo, e ficou surpreso com este apelo a César. Entretanto, as palavras do apóstolo puseram fim ao julgamento. "Festo, tendo falado com o conselho respondeu: Apelaste para César? Para César irás." Atos 25:12.
    Assim foi que uma vez mais, por causa do ódio nascido do fanatismo e da justiça própria, um servo de Deus volta-se para os pagãos em busca de proteção. Foi este mesmo ódio que forçou o profeta Elias a buscar socorro da viúva de Sarepta; e levou os arautos do evangelho a volver-se dos judeus, para proclamar a mensagem do evangelho aos gentios. E este ódio o povo de Deus que vive neste século terá ainda que enfrentar. Entre muitos dos professos seguidores de Cristo, existe o mesmo orgulho, formalismo e egoísmo, o mesmo espírito de opressão que ocupou tão grande lugar no coração dos judeus. No futuro, homens que declaram ser representantes de Cristo tomarão atitude idêntica à dos sacerdotes e príncipes no seu trato com Cristo e os apóstolos. Na grande crise por que deverão em breve passar, os fiéis servos de Deus encontrarão a mesma dureza de coração, a mesma determinação cruel, o mesmo ódio inflexível.
    Todo o que nesse dia mau se dispuser a servir a Deus com destemor, segundo os ditames de sua consciência, necessitará de coragem, firmeza e do conhecimento de Deus e Sua Palavra; pois os que forem fiéis a Deus serão perseguidos, seus motivos impugnados, desvirtuados seus melhores esforços e seus nomes repudiados como um mal. Satanás trabalhará com todo o seu poder enganador para influenciar o coração e obscurecer o entendimento, a fim de que o mal pareça bem, e o bem mal. Quanto mais forte e mais pura a fé do povo de Deus, e mais firme sua determinação de obedecer-Lhe, tanto mais ferozmente procurará Satanás instigar contra eles a ira daqueles que, embora se declarando justos, tripudiam sobre a lei de Deus. Requererá a mais firme confiança, o mais heróico propósito reter firme a fé que uma vez foi entregue aos santos. Deus deseja que Seu povo se prepare para a crise prestes a vir. Preparados ou não, todos terão de enfrentá-la; e somente os que têm levado a vida em conformidade com a norma divina, permanecerão firmes naquele tempo de prova. Quando legisladores seculares se unirem a ministros de religião para legislarem em assuntos de consciência, ver-se-á então quem realmente teme a Deus e O serve. Quando as trevas são mais profundas, mais resplandece a luz de um caráter semelhante ao de Deus. Quando toda a demais confiança falha, então se verá quem tem uma confiança permanente em Jeová. E enquanto os inimigos da verdade estiverem, de todos os lados, observando os servos do Senhor para o mal, Deus estará vigiando sobre eles para o bem. Ele será para eles como a sombra de uma grande rocha numa terra sedenta.


   

   Vindo o tempo próprio para a navegação, o centurião e seus prisioneiros retomaram a viagem para Roma. Um navio alexandrino, o "Castor e Polux" (Atos 28:11), tinha invernado em Malta, em sua viagem para o oeste, e nele os viajantes embarcaram. Embora um pouco retardada por ventos contrários, a viagem foi a salvo levada a termo, e o navio lançou âncora no belo porto de Potéoli, na costa da Itália.
    Neste lugar havia uns poucos cristãos, e eles se empenharam com Paulo para permanecer com eles por sete dias, privilégio este bondosamente concedido pelo centurião. Desde que receberam a epístola de Paulo aos romanos, os cristãos da Itália tinham avidamente desejado uma visita do apóstolo. Não haviam imaginado vê-lo como prisioneiro, mas seus sofrimentos apenas o tornaram mais querido deles. Sendo a distância de Potéoli a Roma de apenas uns 220 quilômetros, e estando o porto marítimo em constante comunicação com a metrópole, os cristãos de Roma foram informados da aproximação de Paulo, e alguns deles se adiantaram para encontrá-lo e saudá-lo.
    No oitavo dia depois de sua chegada, o centurião e seus prisioneiros retomaram o caminho de Roma. Júlio de boa vontade permitiu ao apóstolo cada favor que estava em suas forças conceder, mas não lhe podia mudar a condição de prisioneiro, ou libertá-lo das cadeias que o ligavam ao soldado que o guardava. Foi com o coração opresso que Paulo partiu para sua muito ansiada visita à metrópole do mundo. Quão diversas eram as circunstâncias do que ele imaginara! Como poderia ele, acorrentado e estigmatizado, proclamar o evangelho? Suas esperanças de conquistar muitas almas para a verdade em Roma, pareciam destinadas ao desapontamento.
    Os viajantes chegaram afinal à praça de Ápio, sessenta e quatro quilômetros distante de Roma. Enquanto abrem caminho entre a multidão que transita na grande via, o encanecido ancião, acorrentado com um grupo de criminosos mal-encarados, recebe muitos olhares de zombaria, tornando-se objeto de muito gracejo rude e escarnecedor.
    De súbito ouve-se um grito de alegria e um homem se destaca da turba que passa, e lança-se ao pescoço do prisioneiro, abraçando-o e chorando de alegria, como um filho que saudasse o pai por muito tempo ausente. A cena se repete muitas vezes à medida que, com a vista aguçada por expectante amor, muitos reconhecem no preso acorrentado aquele que em Corinto, Filipos e Éfeso, lhes havia pregado as palavras da vida.
    Os amantes discípulos ansiosamente afluem ao redor de seu pai no evangelho, obrigando todo o cortejo a parar. Os soldados impacientam-se com a demora, mas não têm coragem de interromper essa feliz reunião; pois também eles aprenderam a respeitar e estimar seu prisioneiro. Nessa face macerada e batida pela dor, os discípulos vêem refletida a imagem de Cristo. Asseguram a Paulo que nunca o esqueceram nem deixaram de amá-lo; que lhe são devedores pela feliz esperança que lhes anima a vida, e dá-lhes paz para com Deus. Na ardência de seu amor o levariam nos ombros todo o caminho até à cidade, fosse-lhes dado esse privilégio.
    Poucos consideram o significado das palavras de Lucas, quando diz que Paulo, vendo seus irmãos "deu graças a Deus e tomou ânimo". Atos 28:15. No meio do simpatizante e lacrimoso grupo de crentes, os quais não se envergonhavam de suas cadeias, o apóstolo louvou a Deus em voz alta. A nuvem de tristeza que estava sobre seu espírito se dissipara. Sua vida cristã tinha sido uma sucessão de sofrimentos, desapontamentos e provações, mas neste momento ele se sentia abundantemente recompensado. Com passos mais firmes e o coração repleto de alegria, ele continuou seu caminho. Não podia queixar-se do passado nem temer o futuro. Cadeias e aflições o esperavam, disto ele sabia; mas sabia também que lhe coubera libertar almas de um cativeiro infinitamente mais terrível, e se rejubilava em seus sofrimentos por amor de Cristo.
    Em Roma, o centurião Júlio entregou seus prisioneiros ao comandante da guarda imperial. A boa referência que deu de Paulo, somada à carta de Festo, permitiram ser o apóstolo favoravelmente considerado pelo comandante, e em vez de ser metido na prisão, foi-lhe permitido viver em sua própria casa alugada. Embora ainda constantemente acorrentado a um soldado, tinha liberdade para receber seus amigos e trabalhar para o avançamento da causa de Cristo.
Muitos dos judeus que haviam sido banidos de Roma alguns anos antes, tiveram permissão para voltar, de maneira que agora ali se encontravam em grande número. A estes, antes de tudo, queria Paulo apresentar os fatos que diziam respeito a si mesmo e a sua obra, antes que seus inimigos tivessem ocasião de os incitar contra ele. Três dias depois de sua chegada a Roma, portanto, reuniu os líderes judeus, e de maneira simples e direta, declarou porque viera a Roma como prisioneiro.
    "Varões irmãos", disse ele, "não havendo eu feito nada contra o povo, ou contra os ritos paternos, vim contudo preso desde Jerusalém, entregue nas mãos dos romanos; os quais, havendo-me examinado, queriam soltar-me, por não haver em mim crime algum de morte. Mas, opondo-se os judeus, foi-me forçoso apelar para César, não tendo, contudo, de que acusar a minha nação. Por esta causa vos chamei, para vos ver e falar; porque pela esperança de Israel estou com esta cadeia." Atos 28:17-20.
    Ele nada disse dos abusos que havia sofrido às mãos dos judeus, nem das repetidas tramas para assassiná-lo. Suas palavras caracterizaram-se pela prudência e bondade. Ele não estava procurando ganhar atenção pessoal ou simpatia, mas defender a verdade e manter a honra do evangelho.
Em resposta, seus ouvintes afirmaram que não tinham recebido acusação alguma contra ele, por carta pública ou particular, e que nenhum dos judeus que tinham vindo a Roma o acusara de qualquer crime. Expressaram ainda um forte desejo de ouvir as razões de sua fé em Cristo. "Quanto a esta seita", disseram, "notório nos é que em toda a parte se fala contra ela." Atos 28:22.
    Uma vez que eles próprios desejavam isto, Paulo ordenou-lhes marcarem um dia, quando lhes apresentaria as verdades do evangelho. No tempo marcado, "muitos foram ter com ele à pousada, aos quais declarava com bom testemunho o reino de Deus, e procurava persuadi-los à fé em Jesus, tanto pela lei de Moisés como pelos profetas, desde pela manhã até à noite". Atos 28:23. Ele relatou-lhes sua própria experiência, e apresentou argumentos das Escrituras do Antigo Testamento com simplicidade, sinceridade e poder.
    O apóstolo mostrou que a religião não consiste em ritos e cerimônias, credos e teorias. Se assim fosse, o homem natural poderia entendê-la pela pesquisa, como entende as coisas do mundo. Paulo ensinou que a religião é uma coisa prática, uma energia salvadora, um princípio inteiramente de Deus, uma experiência pessoal do poder renovador de Deus sobre a alma.
    Mostrou como Moisés tinha apontado Cristo a Israel como o profeta a quem deviam ouvir; como todos os profetas haviam testificado dEle como o grande remédio de Deus para o pecado, o inocente que devia levar os pecados do culpado. Paulo não censurou sua observância de formas e cerimônias, mas mostrou que enquanto mantinham o ritual com grande exatidão, estavam rejeitando a Cristo, que era o antítipo de todo aquele sistema.
    Paulo declarou que em seu estado inconverso tinha conhecido a Cristo, não por contato pessoal, mas simplesmente pela concepção que, em comum com outros, tinha nutrido concernente ao caráter e obra do Messias por vir. Tinha rejeitado a Jesus de Nazaré, considerando-O um impostor porque Ele não preenchia esta concepção. Mas agora a visão que tinha de Cristo e Sua missão era muito mais espiritual e exaltada; pois tinha sido convertido. O apóstolo afirmou que não lhes apresentava a Cristo segundo a carne. Herodes tinha visto a Cristo nos dias de Sua humanidade; vira-O Anás; Pilatos, os sacerdotes e príncipes tinham-nO visto; viram-nO os soldados romanos. Mas não O haviam visto com os olhos da fé; não O tinham visto como o Redentor glorificado. Apreender a Cristo pela fé, ter dEle um conhecimento espiritual era mais para desejar que um contato pessoal com Ele como apareceu na Terra. A comunhão com Cristo na qual Paulo agora se rejubilava era mais íntima, mais duradoura que um mero e humano companheirismo terrestre.
    Ao falar Paulo do que sabia e testificar do que vira, concernente a Jesus de Nazaré como a esperança de Israel, os que honestamente estavam procurando a verdade foram convencidos. Em alguns espíritos, pelo menos, suas palavras fizeram uma impressão que jamais se apagou. Mas outros se recusaram obstinadamente a aceitar o claro testemunho das Escrituras, mesmo quando apresentado a eles por alguém que tinha especial iluminação do Espírito Santo. Eles não podiam refutar seus argumentos, mas recusaram aceitar suas conclusões.
    Muitos meses se passaram depois da chegada de Paulo a Roma, antes que os judeus de Jerusalém aparecessem em pessoa para apresentarem suas acusações contra o prisioneiro. Tinham sido repetidas vezes impedidos em seus desígnios; e agora que Paulo deveria ser julgado perante o mais elevado tribunal do império romano, não tinham desejos de se arriscar a uma outra derrota. Lísias, Félix, Festo e Agripa tinham todos declarado acreditar na sua inocência. Seus inimigos poderiam esperar êxito unicamente procurando pela intriga influenciar o imperador em favor deles. A demora lhes favoreceria o objetivo, visto que lhes proporcionaria tempo para aperfeiçoar e executar seus planos; e assim esperaram algum tempo antes de levarem pessoalmente suas acusações contra o apóstolo.
    Na providência de Deus esta demora resultou no avanço do evangelho. Pelo favorecimento daqueles que tinham Paulo sob sua guarda, foi a este permitido morar em uma casa cômoda, onde podia encontrar-se livremente com seus amigos e também apresentar diariamente a verdade aos que o iam ouvir. Assim, durante dois anos continuou seus labores, "pregando o reino de Deus, e ensinando com toda a liberdade as coisas pertencentes ao Senhor Jesus Cristo, sem impedimento algum". Atos 28:31.
    Durante este tempo, não esqueceu as igrejas que havia estabelecido em muitas terras. Compreendendo os perigos que ameaçavam os conversos da nova fé, o apóstolo procurou tanto quanto possível satisfazer-lhes às necessidades por meio de cartas de admoestação e instrução prática. E de Roma enviou obreiros consagrados para trabalharem não somente por essas igrejas, mas em campos que ele próprio não tinha visitado. Tais obreiros, como sábios pastores, fortaleciam a obra tão bem iniciada por Paulo; e o apóstolo, que se conservava informado das condições e perigos das igrejas mediante comunicação constante com elas, estava habilitado a exercer uma sábia direção sobre todas.
    Deste modo, enquanto aparentemente separado do trabalho ativo, Paulo exercia uma influência maior e mais duradoura do que se estivesse livre a viajar entre as igrejas como nos anos anteriores. Como prisioneiro do Senhor, ele retinha mais firmemente as afeições de seus irmãos; e suas palavras, escritas por quem estava em cadeias por amor de Cristo, impunham maior atenção e respeito do que quando ele estava pessoalmente com eles. Não antes que Paulo fosse deles separado, compreenderam os irmãos quão pesados eram os encargos que ele tinha levado em benefício deles. Até então tinham-se em grande parte escusado de responsabilidade e obrigações, porque sentiam a falta de sua sabedoria, tato e indomável energia; mas agora, deixados em sua inexperiência a aprender as lições que eles tinham rejeitado, apreciaram seus conselhos, advertências e instruções como não haviam considerado seu trabalho pessoal. E ao aprenderem de sua coragem e fé durante sua longa prisão, foram estimulados a maior fidelidade e zelo na causa de Cristo.
    Entre os assistentes de Paulo em Roma, havia muitos de seus anteriores companheiros e coobreiros. Lucas, "o médico amado" (Col. 4:14), que o tinha assistido em sua viagem a Jerusalém, durante os dois anos de sua prisão em Cesaréia, e em sua perigosa viagem a Roma, estava ainda, com ele. Timóteo também ministrava para o seu conforto. Tíquico, um "irmão amado e fiel ministro, e conservo no Senhor" (Col. 4:7), permaneceu nobremente ao lado do apóstolo. Demas e Marcos também estavam com ele. Aristarco e Epafras eram seus companheiros de prisão. Col. 4:7-14.
    Desde os primeiros anos de sua profissão de fé, a experiência cristã de Marcos tinha-se aprofundado. Ao estudar mais acuradamente a vida e a morte de Cristo, tinha ele obtido mais clara visão da missão do Salvador, Suas provas e conflitos. Lendo nas cicatrizes das mãos e pés de Cristo as marcas de Seu serviço pela humanidade, e até aonde leva a abnegação para salvar os perdidos e prestes a perecer, Marcos se dispusera a seguir o Mestre na senda do sacrifício. Agora, partilhando a sorte de Paulo, o prisioneiro, ele compreendeu melhor que nunca, que é infinito ganho ganhar a Cristo, e infinita perda ganhar o mundo e perder a alma por cuja redenção foi o sangue de Cristo derramado. Em face de severa adversidade e prova, Marcos continuou firme, um sábio e amado auxiliar do apóstolo.
    Demas, firme por algum tempo, abandonou mais tarde a causa de Cristo. Referindo-se a isto, Paulo escreveu: "Demas me desamparou, amando o presente século." II Tim. 4:10. Por ganho mundano trocou Demas toda alta e nobre consideração. Com que pouco discernimento fizera ele a troca! Possuindo apenas riquezas e honras mundanas, Demas era de fato pobre, por muito que ele pudesse orgulhosamente chamar seu; enquanto Marcos, escolhendo sofrer por amor de Cristo, possuía riquezas eternas, sendo considerado no Céu como herdeiro de Deus e co-herdeiro de Seu Filho.
    Entre os que deram o coração a Deus por intermédio do trabalho de Paulo em Roma, estava Onésimo, escravo pagão que havia lesado a seu senhor, Filemom, crente cristão de Colosso, e havia escapado para Roma. Na bondade de seu coração, Paulo procurou aliviar a pobreza e angústia do desventurado fugitivo, e em seguida procurou derramar a luz da verdade em sua mente obscurecida. Onésimo ouviu as palavras da vida, confessou seus pecados e foi convertido à fé em Cristo.
    Onésimo tornou-se caro a Paulo por sua piedade e sinceridade, não menos que por seu terno cuidado pelo conforto do apóstolo, e seu zelo em promover a obra do evangelho. Paulo viu nele traços de caráter que poderiam torná-lo útil auxiliar no labor missionário, e aconselhou-o a retornar sem delonga a Filemom, suplicar-lhe perdão, e fazer planos para o futuro. O apóstolo prometeu responsabilizar-se pela soma de que Filemom havia sido roubado. Estando pronto para despachar a Tito com cartas para várias igrejas na Ásia menor, enviou com ele Onésimo. Era uma severa prova esta para o servo, apresentar-se ao senhor a quem havia lesado, mas havia sido convertido de verdade, e não se furtou a este dever.
    Paulo tornou Onésimo portador de uma carta a Filemom, na qual, com seu usual tato e bondade, o apóstolo pleiteava a causa do servo arrependido, e manifestava o desejo de retê-lo para seu serviço no futuro. A carta começava com uma afetuosa saudação a Filemom como um amigo e cooperador:
    "Graça a vós e paz da parte de Deus nosso Pai, e da do Senhor Jesus Cristo. Graças dou ao meu Deus, lembrando-me sempre de ti nas minhas orações; ouvindo a tua caridade e a fé que tens para com o Senhor Jesus Cristo, e para com todos os santos; para que a comunicação da tua fé seja eficaz no conhecimento de todo o bem que em vós há por Cristo Jesus." Fil. 1:4-6. O apóstolo recordava a Filemom que cada bom propósito e bom traço de caráter que ele possuía devia-o à graça de Cristo; somente esta o tornou diferente dos perversos e pecadores. A mesma graça pode tornar o envilecido criminoso um filho de Deus e útil obreiro no evangelho.
    Paulo podia ter imposto a Filemom seu dever como cristão; mas escolheu antes a linguagem da súplica: "...sendo eu tal como sou, Paulo o velho, e também agora prisioneiro de Jesus Cristo. Peço-te por meu filho Onésimo, que gerei nas minha prisões; o qual noutro tempo te foi inútil, mas agora a ti e a mim muito útil." Fil. 1:9-11.
    O apóstolo pedia a Filemom, que em vista da conversão de Onésimo, recebesse o arrependido escravo como a seu próprio filho, mostrando-lhe tal afeição que ele escolhesse permanecer com seu senhor de outrora, "não já como servo, antes, mais do que servo, como irmão amado". Fil. 1:16. Expressava seu desejo de reter Onésimo como alguém que poderia servi-lo em suas prisões, como o próprio Filemom teria feito, todavia, ele não desejava os seus serviços a menos que Filemom de própria vontade libertasse o escravo.
    O apóstolo bem conhecia a severidade que os senhores usavam para com os seus escravos, e sabia também que Filemom estava grandemente indignado pela
conduta de seu servo. Procurou escrever-lhe de maneira a despertar seus mais profundos e ternos sentimentos como cristão. A conversão de Onésimo o tornara um irmão na fé, e qualquer punição aplicada a seu novo converso seria considerada por Paulo como aplicada a si próprio.
    Paulo se propôs voluntariamente assumir o débito de Onésimo para que ao criminoso fosse poupado o sofrimento da punição, e pudesse ele de novo se regozijar nos privilégios que tinha rejeitado. "Se me tens por companheiro", escreveu a Filemom, "recebe-o como a mim mesmo. E, se te fez algum dano, ou te deve alguma coisa, põe isso à minha conta. Eu, Paulo, de minha própria mão o escrevi; eu o pagarei." Fil. 1:17 e 18.
    Quão apropriadamente isto ilustra o amor de Cristo pelo pecador arrependido! O servo que defraudara a seu senhor não tinha com que fazer a restituição. O pecador que tem roubado a Deus de anos de serviço não tem meios de cancelar o débito. Jesus Se interpõe entre o pecador e Deus, dizendo: Eu pagarei o débito. Poupa o pecador; Eu sofrerei em seu lugar.
    Depois de oferecer-se para assumir o débito de Onésimo, Paulo recordou a Filemom o quanto ele próprio era devedor ao apóstolo. Devia-lhe seu próprio ser, uma vez que Deus tinha feito Paulo o instrumento de sua conversão. Então, num apelo fervente e terno, suplicou a Filemom que assim como ele havia por sua liberalidade vivificado os santos, também vivificaria o espírito do apóstolo concedendo-lhe esta causa de regozijo. "Escrevi-te", ele acrescentou, "confiado na tua obediência, sabendo que ainda farás mais do que digo." Fil. 1:21.
    A carta de Paulo a Filemom mostra a influência do evangelho nas relações entre senhores e servos. A escravidão era instituição estabelecida em todo o império romano, e tanto senhores como escravos eram encontrados na maioria das igrejas pelas quais Paulo trabalhou. Nas cidades, onde os escravos eram muitas vezes muito mais numerosos do que a população livre, leis de terrível severidade eram consideradas necessárias para mantê-los em sujeição. Um romano rico possuía não raro centenas de escravos de toda categoria, de todas as nações e de toda habilidade. Com pleno controle sobre a alma e o corpo dessas desajudadas criaturas, podiam infligir-lhes castigo a escolha. Se um deles por vingança ou autodefesa ousasse levantar a mão para seu proprietário, toda a família do ofensor poderia ser cruelmente sacrificada. O mais leve erro, acidente ou descuido eram muitas vezes punidos sem misericórdia.
    Alguns senhores, mais humanos que outros, eram mais indulgentes para com seus servos; mas a grande maioria dos ricos e nobres, procedendo sem restrição à luxúria, paixão e apetite, tornavam seus escravos miseráveis vítimas do capricho e tirania. A tendência de todo o sistema era desesperançadamente degradante.
Não era obra do apóstolo subverter arbitrária ou subitamente a ordem estabelecida da sociedade. Tentar isto seria impedir o sucesso do evangelho. Mas ele ensinava os princípios que atingiam o próprio fundamento da escravatura, os quais, se postos em execução, minariam seguramente todo o sistema. "Onde está o Espírito do Senhor aí há liberdade", declarou ele. II Cor. 3:17. Quando convertido, o escravo tornava-se membro do corpo de Cristo, e como tal, devia ser amado e tratado como irmão, co-herdeiro com seu senhor das bênçãos de Deus e dos privilégios do evangelho. Por outro lado, os servos deviam cumprir seus deveres, "não servindo à vista, como para agradar aos homens, mas como servos de Cristo, fazendo de coração a vontade de Deus". Efés. 6:6.
    O cristianismo cria um forte laço de união entre o senhor e o servo, o rei e o súdito, o ministro do evangelho e o degradado pecador que encontrou em Cristo a purificação do pecado. Foram lavados no mesmo sangue, vivificados pelo mesmo Espírito; e são feitos um em Cristo Jesus.
 

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    Ao apóstolo Paulo, cedo em sua experiência cristã, foram dadas especiais oportunidades de conhecer a vontade de Deus concernente aos seguidores de Jesus. Ele "foi arrebatado até ao terceiro Céu", "ao paraíso; e ouviu palavras inefáveis, de que ao homem não é lícito falar". Ele próprio reconheceu que lhe tinham sido dadas muitas "visões e revelações do Senhor". Sua compreensão dos princípios da verdade evangélica era igual à dos "mais excelentes apóstolos". II Cor. 12:2, 4, 1 e 11. Ele tinha clara e plena compreensão da "largura, e o comprimento e a altura, e a profundidade" do "amor de Cristo, que excede todo o entendimento". Efés. 3:18 e 19.
    Paulo não podia falar de tudo o que tinha visto em visão; pois entre seus ouvintes havia alguns que teriam interpretado mal suas palavras. Mas o que lhe fora revelado capacitou-o a trabalhar como líder e sábio mestre, e também a moldar as mensagens que em seus últimos anos enviou às igrejas. A impressão que recebeu quando em visão, ficou para sempre com ele, capacitando-o a dar uma representação correta do caráter cristão. De viva voz e por carta ele apresentou uma mensagem que desde então tem levado auxílio e força à igreja de Deus. Aos crentes de hoje esta mensagem fala claramente dos perigos que ameaçarão a igreja, e das falsas doutrinas que ela terá de enfrentar.
    O desejo do apóstolo àqueles a quem enviava suas cartas de conselho e admoestação, era que não fossem "mais meninos inconstantes, levados em roda por todo o vento de doutrina"; mas para que viessem "à unidade da fé, e ao conhecimento do Filho de Deus, a varão perfeito, à medida da estatura completa de Cristo". Aconselhava aos que eram seguidores de Jesus em comunidades pagãs, a não andarem como andavam "também os outros gentios, na vaidade do seu sentido, entenebrecidos no entendimento, separados da vida de Deus... pela dureza do seu coração" (Efés. 4:14, 13, 17 e 18), mas "como sábios, remindo o tempo; porquanto os dias são maus". Efés. 5:15 e 16. Animava os crentes a olharem ao tempo em que Cristo, o qual "amou a igreja, e a Si mesmo Se entregou por ela", haveria de a "apresentar a Si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, mas santa e irrepreensível". Efés. 5:25 e 27.
    Essas mensagens, escritas não com o poder do homem mas de Deus, contêm lições que deviam ser estudadas por todos, e que podem com proveito ser muitas
vezes repetidas. Nelas é esboçada a piedade prática, são assentados princípios que deviam ser seguidos em todas as igrejas, e é esclarecido o caminho que leva à vida eterna.
    Em sua carta "aos santos e irmãos fiéis em Cristo, que estão em Colossos", escrita enquanto prisioneiro em Roma, Paulo faz menção de sua alegria pela firmeza deles na fé, novas que lhe haviam sido levadas por Epafras, "o qual", escreveu o apóstolo, "nos declarou também a vossa caridade no Espírito. Por esta razão", continuou, "nós também, desde o dia em que o ouvimos, não cessamos de orar por vós, e de pedir que sejais cheios do conhecimento da Sua vontade, em toda a sabedoria e inteligência espiritual; para que possais andar dignamente diante do Senhor, agradando-Lhe em tudo, frutificando em toda a boa obra, e crescendo no conhecimento de Deus; corroborados em toda a fortaleza, segundo a força da Sua glória, em toda a paciência, e longanimidade com gozo". Col. 1:2-11.
    Assim Paulo exprimiu em palavras seu desejo para com os crentes colossenses. Quão elevado o ideal que essas palavras apresentam ao seguidor de Cristo! Elas mostram as maravilhosas possibilidades da vida cristã, e tornam claro que não há limite para as bênçãos que os filhos de Deus podem receber. Crescendo constantemente no conhecimento de Deus, podem eles ir de força em força, de altura em altura na experiência cristã, até que pela "força da Sua glória" sejam feitos "idôneos para participar da herança dos santos na luz". Col. 1:12.
    O apóstolo exaltou a Cristo perante seus irmãos como Aquele por quem Deus criara todas as coisas, e por quem tinha promovido a redenção. Ele declarou que a mão que sustém os mundos no espaço, e mantém na ordem perfeita e incansável atividade todas as coisas através do Universo de Deus, é a mão que foi pregada na cruz por eles. "NEle foram criadas todas as coisas que há nos céus e na Terra", escreveu Paulo, "visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam dominações, sejam principados, sejam potestades; tudo foi criado por Ele e para Ele. E Ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem por Ele." Col. 1:16 e 17. "A vós também, que noutro tempo éreis estranhos, e inimigos no entendimento pelas vossas obras más, agora contudo vos reconciliou no corpo da Sua carne, pela morte, para perante Ele vos apresentar santos, e irrepreensíveis, e inculpáveis." Col. 1:21 e 22.
    O Filho de Deus Se rebaixou para levantar os caídos. Para isto deixou Ele os mundos sem pecado de cima, as noventa e nove que O amavam, e veio à Terra para ser "ferido pelas nossas transgressões, e moído pelas nossas iniqüidades". Isa. 53:5. Em tudo foi feito semelhante aos irmãos. Tornou-Se carne, exatamente como nós somos. Ele soube o que significa ter fome, sede e cansaço. Foi sustentado pelo alimento e restaurado pelo sono. Foi estrangeiro e peregrino na Terra - estava no mundo mas não era do mundo; foi tentado e provado como o são os homens e mulheres de hoje, vivendo contudo uma vida sem pecado. Compassivo, compreensivo e terno, sempre gentil para com os outros, Ele representava o caráter de Deus. "O Verbo Se fez carne, e habitou entre nós... cheio de graça e de verdade." João 1:14.
    Cercados pelas práticas e influências do paganismo, os crentes colossenses estavam em perigo de ser afastados da simplicidade do evangelho, e Paulo, para adverti-los contra isto, apontou-lhes a Cristo como o único Guia seguro. "Porque quero que saibais", escreveu ele, "quão grande combate tenho por vós, e pelos que estão em Laodicéia, e por quantos não viram o meu rosto em carne; para que os seus corações sejam consolados, e estejam unidos em caridade, e enriquecidos da plenitude da inteligência, para conhecimento do mistério de Deus - Cristo, em quem estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e da ciência.
    "E digo isto para que ninguém vos engane com palavras persuasivas. Como, pois, recebestes o Senhor Jesus Cristo, assim também andai nEle, arraigados e edificados nEle e confirmados na fé, assim como fostes ensinados, crescendo em ação de graças. Tendo cuidado para que ninguém vos faça presa sua, por meio de filosofias e vãs sutilezas, segundo a tradição dos homens, segundo os rudimentos do mundo e não segundo Cristo; porque nEle habita corporalmente toda a plenitude da divindade. E estais perfeitos nEle, que é a cabeça de todo principado e potestade." Col. 2:4, 6-10.
    Cristo predisse que se levantariam enganadores, por cuja influência faria transbordar a iniqüidade e esfriaria o "amor de muitos". Mat. 24:12. Advertiu os discípulos de que a igreja se encontraria em maior perigo por motivo desse mal, do que pela perseguição movida por seus inimigos. Vezes e mais vezes Paulo advertiu os crentes contra esses falsos ensinadores. Contra este perigo, acima de qualquer outro, deviam eles precaver-se; pois que, recebendo falsos ensinadores, abririam a porta aos erros mediante o que o inimigo turbaria as percepções espirituais e abalaria a confiança dos recém-conversos à fé do evangelho. Cristo era a norma pela qual deviam eles testar as doutrinas apresentadas. Tudo o que não estivesse em harmonia com Seus ensinos devia ser rejeitado. Cristo crucificado pelo pecado, Cristo ressurgido dos mortos, Cristo assunto ao Céu - esta era a ciência da salvação que eles deviam aprender e ensinar.
    As advertências da Palavra de Deus com respeito aos perigos que rodeiam a igreja cristã pertencem a nós hoje. Como nos dias dos apóstolos os homens procuravam destruir a fé nas Escrituras pelas tradições e filosofias, assim hoje, pelos aprazíveis sentimentos da "alta crítica", evolução, espiritismo, teosofia e panteísmo, o inimigo da justiça está procurando levar as almas para caminhos proibidos. Para muitos a Bíblia é uma lâmpada sem óleo, porque voltaram a mente para canais de crenças especulativas que produzem má compreensão e confusão. A obra da "alta crítica", em dissecar, conjeturar, reconstruir está destruindo a fé na Bíblia como uma revelação divina. Está roubando a Palavra de Deus em seu poder de controlar, erguer e inspirar vidas humanas. Pelo espiritismo, multidões são ensinadas a crer que o desejo é a mais alta lei, que licenciosidade é liberdade, e que o homem deve prestar contas apenas a si mesmo.
    O seguidor de Cristo enfrentará "palavras persuasivas" (Col. 2:4), contra as quais o apóstolo advertiu os crentes colossenses. Enfrentará interpretações espiritualistas das Escrituras, mas não as deve aceitar. Sua voz deve ser ouvida na clara afirmação das verdades eternas das Escrituras. Conservando os olhos fixos em Cristo, deve avançar com firmeza no caminho estabelecido, rejeitando todas as idéias que não estejam em harmonia com os Seus ensinos. A verdade divina deve ser o objeto de sua contemplação e meditação. Deve ele considerar a Bíblia como a voz de Deus a ele falando diretamente. Achará assim a sabedoria que é divina.
    O conhecimento de Deus como revelado em Cristo é o conhecimento que precisam ter todos os salvos. É o conhecimento que opera a transformação do caráter. Recebido na vida, criará de novo a alma à imagem de Cristo. É o conhecimento além do qual tudo é vaidade e nulidade, e o qual Deus convida Seus filhos a receber.
    Em cada geração e em cada terra o verdadeiro fundamento para a edificação do caráter tem sido o mesmo - os princípios contidos na Palavra de Deus. A única regra certa e segura é fazer o que Deus diz. "Os preceitos do Senhor são retos" (Sal. 19:8) e "quem faz isto nunca será abalado". Sal. 15:5. Foi com a Palavra de Deus que os apóstolos enfrentaram as falsas teorias de seu tempo, dizendo: "Porque ninguém pode pôr outro fundamento, além do que já está posto." I Cor. 3:11.
Ao tempo de sua conversão e batismo, os crentes colossenses se comprometeram a pôr de lado crenças e práticas que até então tinham sido parte de sua vida, e a serem verdadeiros em sua obediência a Cristo. Em sua carta, Paulo lhes recorda isto, e adverte-os a não esquecerem que para manter sua promessa, precisavam
esforçar-se constantemente contra os males que procuravam dominá-los. "Se já ressuscitastes com Cristo", disse ele, "buscai as coisas que são de cima, onde Cristo está assentado à destra de Deus. Pensai nas coisas que são de cima, e não nas que são da Terra; porque já estais mortos, e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus." Col. 3:1-3.
    "Se alguém está em Cristo, nova criatura é." II Cor. 5:17. Mediante o poder de Cristo homens e mulheres têm quebrado a cadeia do hábito pecaminoso. Têm renunciado ao egoísmo. O profano tem-se tornado reverente; o bêbado, sóbrio; o pervertido, puro. Almas que tinham estampada em si a semelhança de Satanás, têm-se transformado à imagem de Deus. Essa transformação é em si o milagre dos milagres. Uma mudança operada pela Palavra, é um dos mais profundos mistérios da mesma Palavra. Não podemos compreender isto; somente podemos crer, conforme declaram as Escrituras, que é "Cristo em vós, esperança da glória". Col. 1:27.
    Quando o Espírito de Deus controla a mente e o coração, a alma convertida entoa um novo cântico; pois reconhece que a promessa de Deus se tem cumprido em sua experiência, que sua transgressão foi perdoada e seu pecado coberto. Ele exerceu arrependimento para com Deus, pela transgressão da divina lei, e fé para com Cristo que morreu para justificação do homem. "Sendo pois justificados pela fé", ele tem "paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo." Rom. 5:1.
    Mas porque esta é sua experiência, o cristão não deve cruzar os braços, satisfeito com o que já conseguiu. Aquele que tem determinado entrar no reino espiritual verificará que todos os poderes e paixões da natureza não regenerada, apoiados pelas forças do reino das trevas, estão arregimentados contra ele. Ele precisa renovar a sua consagração cada dia, e cada dia batalhar contra o mal. Velhos hábitos, tendências hereditárias para o erro, lutarão para manter a supremacia, e contra isto deve eles estar sempre em guarda, lutando na força de Cristo pela vitória.
    "Mortificai pois os vossos membros, que estão sobre a Terra", escreve Paulo aos colossenses, "nas quais também em outro tempo andastes, quando vivíeis nelas. Mas agora despojai-vos também de tudo: da ira, da cólera, da malícia, da maledicência, das palavras torpes da vossa boca. ... Revesti-vos pois, como eleitos de Deus, santos, e amados, de entranhas de misericórdia, de benignidade, humildade, mansidão, longanimidade; suportando-vos uns aos outros, e perdoando-vos uns aos outros, se algum tiver queixa contra outro; assim como Cristo vos perdoou, assim fazei vós também. E sobretudo isto, revesti-vos de caridade, que é o vínculo da perfeição. E a paz de Deus, para a qual também fostes chamados em um corpo, domine em vossos corações; e sede agradecidos." Col. 3:5-17.
    A carta aos colossenses está repleta de lições do mais alto valor a todos quantos estão empenhados no serviço de Cristo, lições que mostram a singeleza de propósito e as altas aspirações que serão vista na vida daquele que de maneira reta representa o Salvador. Renunciando a tudo que poderia impedi-lo de progredir em direção ao alto, ou levar a desviar os pés de alguém do caminho estreito, o crente revelará em sua vida diária misericórdia, bondade, humildade, mansidão, longanimidade e o amor de Cristo.
    O poder de uma vida mais alta, mais pura e mais nobre é nossa grande necessidade. O mundo tem ocupado demais os nossos pensamentos, e o reino de Deus muito pouco.
    Em Seus esforços para alcançar o ideal de Deus para si, o cristão não deve desesperar de coisa alguma. A perfeição moral e espiritual mediante a graça e o poder de Cristo é prometida a todos. Jesus é a fonte de poder, a origem da vida. Ele nos leva a Sua Palavra, e da árvore da vida nos apresenta as folhas para a saúde de almas enfermas de pecado. Ele nos leva ao trono de Deus, e põe em nossa boca uma oração pela qual somos levados a íntimo contato com Ele próprio. Em nosso benefício põe em operação os instrumentos todo-poderosos do Céu. Em cada passo tocamos Seu vivo poder.
    Deus não fixa limite para o progresso dos que desejam ser "cheios do conhecimento da Sua vontade, em toda a sabedoria e inteligência espiritual". Col. 1:9. Mediante a oração, a vigilância, através do crescimento no conhecimento e na compreensão, eles devem ser "corroborados em toda a fortaleza, segundo a força da Sua glória". Col. 1:11. Assim são preparados para trabalhar por outros. É propósito do Salvador que os seres humanos, purificados e santificados, sejam Sua mão ajudadora. Agradeçamos por este grande privilégio Àquele "que nos fez idôneos para participar da herança dos santos na luz; o qual nos tirou da potestade das trevas, e nos transportou para o reino do Filho do Seu amor". Col. 1:12 e 13.
    A carta de Paulo aos filipenses, como a enviada aos colossenses, foi escrita enquanto ele estava prisioneiro em Roma. A igreja de Filipos tinha enviado donativos a Paulo pela mão de Epafrodito, a quem Paulo chama "meu irmão, e cooperador, e companheiro nos combate e vosso enviado para prover às minhas necessidades". Filip. 2:25. Enquanto em Roma, Epafrodito ficou doente "e quase à morte; mas Deus Se apiedou dele", escreveu Paulo, "e não somente dele, mas também de mim, para que eu não tivesse tristeza sobre tristeza". Filip. 2:27. Ouvindo da enfermidade de Epafrodito, os crentes de Filipos ficaram muito ansiosos com respeito a ele, e ele decidiu retornar. "Porquanto tinha muitas saudades de vós todos", escreveu Paulo, "e estava muito angustiado de que tivésseis ouvido que ele estivera doente... vo-lo enviei mais depressa, para que, vendo-o outra vez, vos regozijeis, e eu tenha menos tristeza. Recebei-o pois no Senhor com todo o gozo, e tende-o em honra. Porque pela obra de Cristo chegou até bem próximo da morte, não fazendo caso da vida para suprir para comigo a falta do vosso serviço." Filip. 2:28-30.
    Por Epafrodito, Paulo enviou aos crentes filipenses uma carta, na qual lhes agradecia os donativos que lhe haviam enviado. De todas as igrejas, a de Filipos tinha sido a mais liberal em suprir as necessidades de Paulo. "E bem sabeis também vós, ó filipenses", disse o apóstolo em sua carta, "que, no princípio do evangelho, quando parti da Macedônia, nenhuma igreja comunicou comigo com respeito a dar e a receber, senão vós somente. Porque também, uma e outra vez, me mandastes o necessário a Tessalônica. Não que procure dádivas, mas procuro o fruto que aumente para a vossa conta. Mas bastante tenho recebido e tenho abundância; cheio estou, depois que recebi de Epafrodito o que da vossa parte me foi enviado, como cheiro de suavidade e sacrifício agradável e aprazível a Deus." Filip. 4:15-18.
    "Graça a vós e paz, da parte de Deus, nosso Pai, e da do Senhor Jesus Cristo. Dou graças ao meu Deus todas as vezes que me lembro de vós, fazendo, sempre com alegria, oração por vós em todas as minhas súplicas, pela vossa cooperação no evangelho desde o primeiro dia até agora. Tendo por certo isto mesmo; que Aquele que em vós começou a boa obra a aperfeiçoará até ao dia de Jesus Cristo. Como tenho por justo sentir isto de vós todos, porque vos retenho em meu coração, pois todos vós fostes participantes da minha graça, tanto nas minhas prisões como na minha defesa e confirmação do evangelho. Porque Deus me é testemunha das saudades que de todos vós tenho. ... E peço isto: que a vossa caridade aumente mais e mais em ciência e em todo o conhecimento. Para que aproveis as coisas excelentes, para que sejais sinceros e sem escândalo algum até ao dia de Cristo, cheios de frutos de justiça, que são por Jesus Cristo, para glória e louvor de Deus." Filip. 1:2-11.
    A graça de Deus sustinha Paulo em sua prisão, habilitando-o a regozijar-se na tribulação. Com fé e segurança ele escreveu a seus irmãos filipenses que sua prisão tinha redundado no progresso do evangelho. "Quero, irmãos, que saibais", escreveu, "que as coisas que me aconteceram contribuíram para maior proveito do evangelho. De maneira que as minhas prisões em Cristo foram manifestas por toda a guarda pretoriana, e por todos os demais lugares; e muitos dos irmãos no Senhor, tomando ânimo com as minhas prisões, ousam falar a Palavra mais confiadamente, sem temor." Filip. 1:12-14.
    Há uma lição para nós nesta experiência de Paulo; pois ela revela a maneira de Deus operar. O Senhor pode tirar vitória daquilo que poderá parecer para nós confusão e revés. Estamos em perigo de nos esquecermos de Deus, de olhar para as coisas que se vêem, em vez de contemplar pelos olhos da fé, as que se não vêem. Quando sobrevém uma desventura ou calamidade, estamos prontos a acusar a Deus de negligência ou crueldade. Se Lhe parece próprio eliminar nossa utilidade em algum sentido, entristecemo-nos, não nos detendo para pensar que assim Deus pode estar agindo para nosso bem. Necessitamos aprender que a correção é uma parte de Seu grande plano, e que sob a vara da aflição pode o cristão algumas vezes fazer mais pelo Mestre que quando empenhado em serviço ativo.
    Como exemplo aos filipenses na fé cristã, Paulo chamou-lhes a atenção para Cristo, "que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, mas aniquilou-se a Si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-Se semelhante aos homens; e, achado na forma de homem, humilhou-Se a Si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz". Filip. 2:6-8.
    "De sorte que, meus amados", continuou, "assim como sempre obedecestes, não só na minha presença, mas muito mais agora na minha ausência, assim também operai a vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a Sua boa vontade. Fazei todas as coisas sem murmurações nem contendas; para que sejais irrepreensíveis e sinceros, filhos de Deus inculpáveis no meio duma geração corrompida e perversa, entre a qual resplandeceis como astros no mundo; retendo a Palavra da vida, para que no dia de Cristo possa gloriar-me de não ter corrido nem trabalhado em vão." Filip. 2:12-16.
    Essas palavras foram relatadas para auxílio de toda alma que luta. Paulo ergue a norma de perfeição, e mostra como pode ser alcançada. "Operai a vossa salvação", diz ele, "porque Deus é o que opera em vós."
    A obra de ganhar a salvação é de co-participação e cooperação. Deve haver cooperação entre Deus e o pecador arrependido. Isto é necessário para a formação de corretos princípios de caráter. Deve o homem fazer veementes esforços para vencer o que o impede de alcançar a perfeição. Mas, para alcançar êxito, ele depende inteiramente de Deus. Por si mesmos os esforços humanos não são suficientes. Sem a ajuda do poder divino ele de nada vale. Deus age e o homem também. A resistência à tentação deve partir do homem, que por sua vez deve obter de Deus o poder. De um lado se acham sabedoria infinita, compaixão e poder; do outro debilidade, pecaminosidade e incapacidade absoluta.
    Deus quer que governemos nosso ser, mas não nos pode ajudar sem nosso consentimento e cooperação. O Espírito divino age por meio dos poderes e faculdades concedidos ao homem. Não podemos pôr por nós mesmos nossos propósitos, desejos e inclinações em harmonia com a vontade divina; mas se estamos dispostos, o Salvador fará isso por nós, "destruindo os conselhos, e toda a altivez que se levanta contra o conhecimento de Deus, e levando cativo todo o entendimento à obediência de Cristo". II Cor. 10:5.
    Aquele que deseja construir um caráter forte e simétrico, e que deseja ser um cristão bem equilibrado, deve dar tudo a Cristo e fazer tudo por Cristo; pois o Redentor não aceitará serviço dividido. Precisa aprender diariamente o significado da entrega do eu. Precisa estudar a Palavra de Deus, aprendendo seu significado e obedecendo a seus preceitos. Assim pode ele alcançar o padrão da excelência cristã. Dia a dia Deus trabalha com ele, aperfeiçoando o caráter que deve resistir no tempo da prova final. E dia a dia o crente está manifestando diante dos homens e dos anjos um experimento sublime, mostrando o que o evangelho pode fazer por caídos seres humanos.
    "Quanto a mim", escreveu Paulo, "não julgo que o haja alcançado; mas uma coisa faço, e é que, esquecendo-me das coisas que atrás ficam, e avançando para as que estão diante de mim, prossigo para o alvo, pelo prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus." Filip. 3:13 e 14.
Paulo fizera muitas coisas. Desde o momento em que se dera em obediência a Cristo, sua vida foi cheia de incansável serviço. De cidade em cidade, de país em país, ele viajou, contando a história da cruz, conquistando conversos para o evangelho e estabelecendo igrejas. Por essas igrejas tinha constante cuidado, e a elas escreveu muitas cartas de instrução. Às vezes trabalhava em seu ofício, para ganhar o pão de cada dia. Mas em todas as cansativas atividades de sua vida, Paulo jamais perdeu de vista o grande propósito - caminhar para o alvo da sua soberana vocação. Um alvo mantinha ele firmemente diante de si - ser fiel Àquele que às portas de Damasco Se lhe revelara. Desse alvo força alguma poderia desviá-lo. Exaltar a cruz do Calvário - este era o motivo todo absorvente que lhe inspirava as palavras e os atos.
    O grande propósito que constrangia Paulo a prosseguir em face das durezas e dificuldades, deveria levar cada obreiro cristão a consagrar-se inteiramente ao serviço de Deus. Atrações mundanas se apresentarão para afastar sua atenção do Salvador, mas ele deve prosseguir em direção ao alvo, mostrando ao mundo, aos anjos e aos homens que a esperança de ver a face de Deus compensa todos os esforços e sacrifícios que a concretização dessa esperança requer.
    Embora fosse um prisioneiro, Paulo não se desencorajava. Em vez disso, uma nota de triunfo vibra através das cartas que escreveu de Roma às igrejas. "Regozijai-vos sempre no Senhor", escreveu aos filipenses, "outra vez digo, regozijai-vos. ...Não estejais inquietos por coisa alguma: antes as vossas petições sejam em tudo conhecidas diante de Deus pela oração e súplicas, com ação de graças. E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará os vossos corações e os vossos sentimentos em Cristo Jesus. Quanto ao mais, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se há alguma virtude, e se há algum louvor, nisso pensai."
    "O meu Deus, segundo as Suas riquezas, suprirá todas as vossas necessidades em glória, por Cristo Jesus. ... A graça de nosso Senhor Jesus Cristo seja com vós todos." Filip. 4:4-9.
 


  

    O evangelho sempre alcançou seu maior sucesso entre as classes humildes. "Não são muitos os sábios segundo a carne, nem muitos os poderosos, nem muitos os nobres que são chamados." I Cor. 1:26. Não seria de esperar que Paulo, pobre prisioneiro e sem amigos, pudesse obter a atenção das classes ricas e titulares dos cidadãos romanos. Para estas o vício apresentava todas as suas brilhantes seduções, e retinha-as como cativas voluntárias. Mas, dentre as cansadas e necessitadas vítimas de sua opressão, mesmo dentre os pobres escravos, muitos alegremente ouviam as palavras de Paulo, e encontravam na fé cristã esperança e paz que os animavam nas dificuldades de sua sorte.
    Todavia, conquanto o trabalho do apóstolo começasse com os humildes e modestos, sua influência se estendeu até atingir o próprio palácio do imperador.
    Roma era nesta ocasião a metrópole do mundo. Os arrogantes Césares estavam dando leis a quase todas as nações da Terra. Reis e cortesãos ou não tomavam
conhecimento do humilde Nazareno, ou O consideravam com ódio e desprezo. E contudo, em menos de dois anos o evangelho teve acesso da modesta casa do prisioneiro aos recintos imperiais. Paulo estava em cadeias como um malfeitor; mas "a Palavra de Deus não está presa". II Tim. 2:9.
    Em anos anteriores o apóstolo havia publicamente proclamado a doutrina de Cristo com cativante poder; e por sinais e milagres havia dado indiscutível evidência de seu divino caráter. Com nobre firmeza levantara-se perante os sábios da Grécia, e por seu conhecimento e eloqüência tinha feito silenciar os argumentos da altiva filosofia. Com indômita coragem estivera diante de reis e governadores, e falara da justiça, da temperança e do juízo vindouro, até que soberbos governadores estremeceram como se já contemplassem os terrores do dia de Deus.
    Tais oportunidades não lhe eram agora concedidas, confinado como se achava em sua própria residência, podendo pregar a verdade apenas aos que ali viessem. Não tinha, como Moisés e Arão, ordem divina para ir adiante de perversos reis, e em nome do grande EU SOU repreendê-los por sua crueldade e opressão. No entanto, foi neste mesmo tempo, quando seus principais advogados estavam aparentemente separados do trabalho público, que o evangelho alcançou grande vitória; membros da própria casa do imperador foram acrescentados à igreja.
    Em nenhum lugar poderia haver uma atmosfera menos propícia ao cristianismo que na corte romana. Nero parecia ter apagado de sua alma o último vestígio do divino, e mesmo do humano, havendo recebido o ferrete de   Satanás. Seus assistentes e cortesãos eram em geral do mesmo caráter que ele - violentos, envilecidos e corruptos. Segundo todas as aparências, seria impossível ao cristianismo firmar pé na corte e no palácio de Nero.
    Contudo, neste caso, como em muitos outros, ficou provada a veracidade da afirmação de Paulo de que as armas de sua milícia eram "poderosas em Deus, para destruição das fortalezas". II Cor. 10:4. Mesmo na casa de Nero foram ganhos troféus para a cruz. Dentre os vis servidores de um soberano ainda mais vil, foram ganhos conversos os quais se tornaram filhos de Deus. Não eram eles cristãos secretamente, mas abertamente. Não se envergonhavam de sua fé.
    E por que meios foi conseguida entrada e uma firme posição alcançada pelo cristianismo, onde sua simples admissão parecia impossível? Em sua epístola aos filipenses, Paulo atribui a sua própria prisão seu sucesso em ganhar conversos da casa de Nero. Temendo que se pudesse pensar que suas aflições haviam impedido o progresso do evangelho, assegurou-lhes: "E quero, irmãos, que saibais que as coisas que me aconteceram contribuíram para maior proveito do evangelho." Filip. 1:12.
    Logo que as igrejas cristãs souberam que Paulo deveria visitar Roma, tiveram a expectativa de um triunfo assinalado para o evangelho nesta cidade. Paulo levara a verdade a muitas terras; proclamara-a em grandes cidades. Não poderia este campeão da fé ser bem-sucedido no conquistar almas para Cristo mesmo na metrópole do mundo? Mas suas esperanças se aniquilaram com a notícia de que Paulo fora a Roma como prisioneiro.
    Tinham confiantemente esperado ver o evangelho, uma vez estabelecido naquele grande centro, estender-se rapidamente a todas as nações e tornar-se um poder predominante na Terra. Quão grande foi a sua decepção! Falharam as expectativas humanas, mas não o propósito de Deus.
    Não pelos sermões de Paulo, mas pelas suas cadeias, foi a atenção da corte atraída para o cristianismo. Foi como um cativo que ele rompeu de tantas almas as cadeias que as mantinham na escravidão do pecado. E não foi só isto. Declarou: "Muitos dos irmãos no Senhor, tomando ânimo com as minhas prisões, ousam falar a Palavra mais confiadamente, sem temor." Filip. 1:14.
    A paciência e bom ânimo de Paulo durante seu longo e injusto aprisionamento, sua coragem e fé, eram um contínuo sermão. Seu espírito, tão diferente do espírito do mundo, dava testemunho de que um poder mais alto que o da Terra habitava com ele. E por seu exemplo, foram os cristãos impelidos a maior energia como advogados da causa no trabalho público de que Paulo havia sido afastado. Dessa maneira foram as cadeias do apóstolo de tal influência que, quando seu poder e utilidade pareciam liqüidados, e segundo todas as aparências muito pouco poderia ele fazer, alcançou ele para Cristo molhos em campos dos quais parecia inteiramente excluído.
    Antes do fim desses dois anos de prisão, Paulo pôde dizer: "As minhas prisões em Cristo foram manifestas por toda a guarda pretoriana, e por todos os demais lugares" (Filip. 1:13); e entre os que enviavam saudações aos filipenses, ele mencionou "principalmente os que são da casa de César". Filip. 4:22.
    A paciência, assim como a coragem, tem as suas vitórias. Pela mansidão sobre a prova, não menos do que pela ousadia nos empreendimentos, podem almas ser ganhas para Cristo. O cristão que manifesta paciência e bom ânimo sob aflição e sofrimentos, que enfrenta a própria morte com a paz e calma de uma fé inabalável, pode realizar para o evangelho mais do que faria por uma longa vida de fiel labor. Muitas vezes, quando o servo de Deus é subtraído ao trabalho ativo, a misteriosa providência que nossa curta visão seria levada a lamentar, é designada por Deus para realizar a obra que de outra forma jamais seria feita.
    Não pense o seguidor de Cristo, quando não mais lhe é possível trabalhar ativa e abertamente para Deus e Sua verdade, que não tem mais serviço a fazer nem recompensa a esperar. As verdadeiras testemunhas de Cristo jamais são postas de lado. Em saúde e na enfermidade, na vida e na morte, Deus ainda as usa. Quando pela maquinação de Satanás os servos de Cristo foram perseguidos, seu ativo trabalho embaraçado, quando lançados na prisão, ou arrastados ao cadafalso ou à fogueira, foi que a verdade pôde alcançar maior triunfo. Ao selarem essas fiéis criaturas seu testemunho com o próprio sangue, almas até então em dúvida e incerteza, foram convencidas da doutrina de Cristo, e corajosamente tomaram sua posição ao lado dEle. Da cinza dos mártires brotou uma abundante colheita para Deus.
    O zelo e fidelidade de Paulo e seus cooperadores, não menos que a fé e obediência desses conversos ao cristianismo, sob circunstâncias tão desalentadoras, constituem uma repreensão à negligência e falta de fé no ministro de Cristo. O apóstolo e seus cooperadores podiam ter argumentado que seria vão chamar ao arrependimento e à fé em Cristo os servos de Nero, sujeitos como se achavam a violentas tentações, rodeados por empecilhos tremendos, e expostos à mais acérrima oposição. Mesmo que fossem convencidos da verdade, como poderiam eles prestar-lhe obediência? Mas Paulo não raciocinou assim, em fé apresentou o evangelho a essas almas; e entre os que ouviram alguns houve que decidiram obedecer a qualquer preço. Não obstante os obstáculos e perigos, aceitaram a luz e confiaram em que Deus os ajudaria a fazer a sua luz brilhar para outros.
    Não somente houve conversos ganhos para a verdade na casa de César, mas depois de sua conversão eles permaneceram nessa casa. Não se sentiram na liberdade de abandonar seu posto de dever por não lhes ser mais favorável o ambiente. A verdade os achara ali, e ali permaneceram testificando por sua vida e caráter mudados do poder transformador da nova fé.
    Há alguns tentados a fazer das circunstâncias uma desculpa para não testificar de Cristo? Que estes considerem a situação dos discípulos na casa de César - a depravação do imperador, a perversidade da corte. Dificilmente podemos imaginar circunstâncias mais desfavoráveis para uma vida religiosa, e que acarretam maior sacrifício ou oposição do que as que enfrentaram esses conversos. No entanto, em meio a dificuldade e perigos eles mantiveram sua fidelidade. Por causa de obstáculos que parecem insuperáveis o cristão pode procurar esquivar-se de obedecer à verdade como é em Jesus; mas não  pode oferecer escusa que resista à pesquisa. Pudesse ele fazer isto e provaria Deus injusto, impondo a Seus filhos condições de salvação que eles não poderiam cumprir.
    Aquele cujo coração está determinado a servir a Deus encontrará oportunidade de testemunhar dEle. As dificuldades não terão força para impedir aquele que está determinado a buscar primeiro o reino de Deus e Sua justiça. Na força conquistada pela oração e estudo da Palavra, ele buscará a virtude e abandonará o vício. Olhando para Jesus, o Autor e Consumador da fé, o qual suportou as contradições dos pecadores contra Si mesmo, o crente voluntariamente encarará o escárnio e a irrisão. E são prometidos auxílio e graça suficientes para cada circunstância, por Aquele cuja palavra é a verdade. Seus eternos braços envolvem a alma que se volta para Ele em busca de auxílio. Em Seu cuidado podemos descansar seguros, dizendo: "No dia em que eu temer, hei de confiar em Ti." Sal. 56:3. Deus cumpre Sua promessa para com todos aqueles que nEle põem a sua confiança.
    Por Seu próprio exemplo o Salvador mostrou que Seus seguidores podem estar no mundo sem todavia pertencer ao mundo. Ele veio, não para compartilhar de seus prazeres ilusórios e ser governado por seus costumes, ou seguir suas práticas, mas para fazer a vontade de Seu Pai e buscar e salvar o perdido. Com esse objetivo em vista, o cristão pode permanecer incontaminado em qualquer meio. Quaisquer que sejam sua situação e circunstâncias, exaltada ou humilde, ele manifestará o poder da verdadeira religião na prática fiel do dever.
    Não é fora das provas mas em meio a elas que o caráter cristão se desenvolve. O achar-se exposto à repulsa e oposição leva o seguidor de Cristo a maior vigilância e mais fervente oração ao poderoso Ajudador. Severa prova resistida pela graça de Deus desenvolve a paciência, a vigilância, a resistência e uma profunda e permanente confiança em Deus. A vitória da fé cristã consiste em que ela capacita seu seguidor a sofrer e ser forte; a submeter-se e assim conquistar; a morrer em todo o tempo e contudo viver; a levar a cruz, e assim alcançar a coroa de glória.
 


   

    Enquanto os trabalhos de Paulo em Roma estavam sendo abençoados para a conversão de muitas almas e fortalecimento e animação dos crentes, estavam a ajuntar-se nuvens que não somente ameaçavam sua própria segurança, mas também a prosperidade da igreja. A sua chegada a Roma fora ele colocado aos cuidados do tribuno da guarda imperial, homem de justiça e integridade, por cuja clemência ficou relativamente livre para prosseguir na obra do evangelho. Mas, antes do fim dos dois anos de prisão, esse homem foi substituído por um oficial de quem o apóstolo não poderia esperar nenhum favor especial.
    Os judeus estavam agora em mais atividade do que nunca em seus esforços contra Paulo, e encontraram uma hábil auxiliadora na mulher corrupta de quem Nero fizera sua segunda esposa, e que, sendo uma prosélita* judia, emprestou toda a sua influência para auxiliar os intuitos assassinos deles contra o campeão do cristianismo.
    Pouca justiça podia Paulo esperar da parte de César, para quem apelara. Nero era mais vil em seus costumes, mais frívolo no caráter, e ao mesmo tempo capaz de mais atroz crueldade do que qualquer governante que o houvesse precedido. As rédeas do governo não podiam ter sido confiadas a um governador mais déspota**.O primeiro ano de seu governo fora assinalado pelo envenenamento de seu jovem irmão afim, o legítimo herdeiro do trono. De uma a outra profundidade do vício e do crime, desceu Nero até que assassinou sua própria mãe, e em seguida sua esposa. Não houve atrocidade que não perpetrasse, ato vil a que não rebaixasse. A todo espírito nobre inspirava ele apenas aversão e desprezo.
    Os pormenores da iniqüidade praticada em sua corte são por demais degradantes, por demais horríveis para serem descritos. Sua desenfreada impiedade provocou asco e desprezo mesmo a muitos dos que eram obrigados a partilhar de seus crimes. Viviam em constante temor quanto a que atrocidades sugeriria ele a seguir. Não obstante tais crimes como os que Nero praticava, não ficava abalada a submissão de seus súditos. Era reconhecido como o governador absoluto de todo o mundo civilizado. Mais que isto, foi feito objeto de honras divinas e adorado como um deus.
    Do ponto de vista do juízo humano, era certa a condenação de Paulo perante tal juiz. Mas o apóstolo compreendia que enquanto ele fosse fiel a Deus, nada teria a temer. Aquele que no passado fora o seu protetor, poderia ainda protegê-lo da maldade dos judeus e do poder de César.
    E Deus amparou Seu servo. Ao ser Paulo interrogado, não foram sustentadas as acusações feitas contra ele; e, contrariamente à expectativa geral, e com um respeito pela justiça inteiramente em desacordo com o seu caráter, Nero declarou inocente o prisioneiro. As cadeias de Paulo foram removidas; tornou-se novamente homem livre.
    Tivesse o seu julgamento demorado mais, ou fosse ele por qualquer motivo detido em Roma até o ano seguinte, e teria sem dúvida perecido na perseguição que então teve lugar. Durante a prisão de Paulo, os conversos ao cristianismo se tornaram tão numerosos que atraíram a atenção e despertaram a inimizade das autoridades. A ira do imperador se despertou de modo especial pela conversão dos membros de sua própria casa, e logo encontrou pretexto para fazer dos cristãos objeto de sua inexorável crueldade.
    Ocorreu por aquele tempo um terrível incêndio em Roma, pelo qual quase metade da cidade se queimou. O próprio Nero, falava-se, ateara o fogo, mas, para desviar as suspeitas, fez uma ostentação de grande generosidade, prestando assistência aos que ficaram sem lar e destituídos de seus bens. Foi contudo acusado do crime. O povo ficou agitado e enraivecido, e Nero, a fim de inocentar-se e também livrar a cidade de uma classe que ele temia e odiava, voltou a acusação contra os cristãos. Seu expediente foi bem-sucedido, e milhares de seguidores de Cristo - homens, mulheres e crianças - foram cruelmente mortos.
    Desta terrível perseguição Paulo foi poupado; pois que, logo depois de seu libertamento, deixara Roma. Este último intervalo de liberdade ele aproveitara diligentemente, trabalhando entre as igrejas. Procurou estabelecer uma união mais firme entre as igrejas gregas e orientais e fortificar o espírito dos crentes contra as falsas doutrinas que estavam a entrar sorrateiramente para corromper a fé.
    As provações, as ansiedades que Paulo havia suportado despojaram-no de suas forças físicas. Assaltavam-no as enfermidades da idade avançada. Pressentia que estava a fazer sua última obra; e, abreviando-se o tempo de seu trabalho, seus esforços se tornaram mais intensos. Parecia não haver limite para o seu zelo. Resoluto no propósito, pronto nas ações, forte na fé, viajava de uma igreja a outra, em muitas terras, e procurava por todos os meios ao seu alcance fortalecer as mãos dos crentes, para que pudessem efetuar um trabalho fiel na conquista de almas para Jesus, a fim de que, nos tempos probantes em que então se achavam mesmo a entrar, permanecessem firmes no evangelho, dando fiel testemunho de Cristo.

 

*prosélita - Termo empregado na antiguidade para a pessoa que abjurava suas crenças para adotar a religião judaica; Definição da pessoa que se converteu a uma religião ou seita; Adepto, partidário; pessoa que abraçou uma seita, uma doutrina, um partido...

**déspota - Indivíduo extremamente ganancioso que não hesita em destruir, denegrir, matar, em nome do poder pela vaidade e pelo dinheiro.
 

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