Atos dos Apóstolos

 

    Estevão, o principal dos sete diáconos, era homem de profunda piedade e grande fé. Posto que judeu de nascimento, falava a língua grega e estava familiarizado com os usos e costumes dos gregos. Achou, portanto, oportunidade de pregar o evangelho na sinagoga dos judeus gregos. Era muito ativo na causa de Cristo e com ousadia proclamava a sua fé. Ilustrados rabinos e doutores da lei empenharam-se em discussão pública com ele, esperando confiantemente uma fácil vitória. Mas "não podiam resistir à sabedoria, e ao espírito com que falava". Não somente falava no poder do Espírito Santo, mas também era claro ser ele um estudioso das profecias, e instruído em todos os assuntos da lei. Habilmente defendia as verdades que advogava e derrotava completamente seus oponentes. Em relação a ele cumpriu-se a promessa: "Proponde pois em vossos corações não premeditar como haveis de responder; porque Eu vos darei boca e sabedoria a que não poderão resistir nem contradizer todos quantos se vos opuserem." Luc. 21:14 e 15. Vendo os sacerdotes e príncipes o poder que acompanhava a pregação de Estevão, encheram-se de ódio atroz. Em vez de se renderem às provas que ele apresentava, resolveram fazer silenciar sua voz, matando-o. Em várias ocasiões haviam subornado as autoridades romanas a fim de passarem por alto casos em que os judeus tinham feito justiça pelas próprias mãos, julgando, condenando e executando prisioneiros de acordo com seu costume nacional. Os inimigos de Estêvão não tinham dúvida em poder seguir de novo o mesmo caminho sem se exporem ao perigo. Determinados a arcar com as conseqüências, agarraram Estêvão e o trouxeram perante o concílio do Sinédrio para ser julgado. Judeus eruditos de países circunvizinhos foram convocados para o fim de refutar os argumentos do prisioneiro. Saulo de Tarso estava presente e tomou parte importante contra Estêvão. Trouxe o peso da eloqüência e a lógica dos rabis a atuarem no caso, para convencer o povo de que Estêvão estava pregando doutrinas enganadoras e perigosas; mas em Estêvão encontrou quem tinha plena compreensão dos propósitos de Deus em propagar o evangelho às outras nações. Porque não pudessem os sacerdotes e príncipes prevalecer contra a sabedoria de Estêvão, clara e calma, decidiram fazer dele uma lição; e, enquanto assim satisfaziam seu ódio vingativo, impediriam outros, pelo medo, de adotarem sua crença. Testemunhas foram assalariadas para depor falsamente que o ouviram Pág. 99 proferir palavras blasfemas contra o templo e a lei. "Nós lhe ouvimos dizer", declararam essas testemunhas, "que esse Jesus Nazareno há de destruir este lugar e mudar os costumes que Moisés deu." Atos 6:14. Quando Estêvão se colocou face a face com seus juízes, para responder à acusação de blasfêmia, um santo brilho resplandeceu em seu rosto, e "todos os que estavam assentados no conselho, fixando os olhos nele, viram o seu rosto como o rosto de um anjo". Atos 6:15. Muitos que contemplaram esta luz tremeram e velaram o rosto, mas a pertinaz incredulidade e preconceito dos príncipes não se abalaram. Sendo interrogado quanto à verdade das acusações contra ele feitas, Estêvão começou sua defesa com voz clara, penetrante, que repercutia pelo recinto do conselho. Com palavras que mantinham a assembléia absorta, prosseguiu ele relatando a história do povo escolhido de Deus. Mostrou completo conhecimento da economia judaica, e interpretação espiritual da mesma, agora manifesta por meio de Cristo. Repetiu as palavras de Moisés que prediziam o Messias: "O Senhor vosso Deus levantará dentre vossos irmãos um profeta semelhante a mim: a Ele ouvireis." Atos 3:22. Patenteou sua própria lealdade para com Deus e para com a fé judaica, enquanto mostrava que a lei na qual os judeus confiavam para a salvação não fora capaz de salvar Israel da idolatria. Ligava Jesus Cristo com toda a história judaica. Referiu-se à construção do templo por Salomão, e às palavras deste, bem como de Isaías: "Mas o Altíssimo não habita em templos feitos por mãos de homens, como diz o profeta: O Céu é o Meu trono, e a Pág. 100 Terra o estrado de Meus pés. Que casa Me edificareis? diz o Senhor: ou qual é o lugar do Meu repouso? Porventura não fez a Minha mão todas estas coisas?" Atos 7:48-50. Ao atingir Estêvão este ponto, houve um tumulto entre o povo. Quando estabeleceu conexão entre Cristo e as profecias, e falou, como fizera, a respeito do templo, o sacerdote, pretendendo estar tomado de horror, rasgou as vestes. Para Estêvão, este ato foi um sinal de que sua voz logo silenciaria para sempre. Viu a resistência que encontraram suas palavras, e compreendeu que estava a dar seu último testemunho. Embora no meio de seu sermão, concluiu-o abruptamente. Interrompendo subitamente o relato da história que vinha seguindo, e volvendo-se a seus juízes enfurecidos, exclamou: "Homens de dura cerviz, e incircuncisos de coração e ouvido: vós sempre resistis ao Espírito Santo; assim vós sois como vossos pais. A qual dos profetas não perseguiram vossos pais? Até mataram os que anteriormente anunciaram a vinda do Justo, do qual vós agora fostes traidores e homicidas; vós, que recebestes a lei por ordenação dos anjos, e não a guardastes." Atos 7:51-53. A esta altura, sacerdotes e príncipes ficaram fora de si, de cólera. Agindo mais como feras rapinantes do que como seres humanos, precipitaram-se sobre Estêvão, rangendo os dentes. Nos rostos cruéis em redor de si, o prisioneiro leu a sua sorte; mas não vacilou. Para ele o temor da morte desaparecera. Para ele os coléricos sacerdotes e a turba irada não ofereciam terror. O quadro que diante dele estava se desvaneceu de sua vista.     Para ele as portas do Céu estavam abertas, e, olhando por elas, viu a glória da corte de Deus, e Cristo, em pé como que Se havendo levantado de Seu trono precisamente Pág. 101 então, para dar auxílio a Seu servo. Com palavras de triunfo Estêvão exclamou: "Eis que vejo os Céus abertos, e o Filho do homem, que está em pé à mão direita de Deus." Atos 7:56.     Descrevendo ele as gloriosas cenas que estava a contemplar, seus perseguidores não o suportaram mais. Tapando os ouvidos para não ouvir suas palavras, e dando altos brados, com fúria correram unânimes sobre ele e o expulsaram da cidade. "E apedrejaram a Estêvão, que em invocação dizia: Senhor Jesus, recebe o meu espírito. E, pondo-se de joelhos, clamou com grande voz: Senhor, não lhes imputes este pecado. E, tendo dito isto, adormeceu." Atos 7:59 e 60. Nenhuma sentença legal fora pronunciada contra Estêvão, mas as autoridades romanas foram subornadas com grandes somas de dinheiro para não fazerem pesquisa sobre o caso. O martírio de Estêvão produziu profunda impressão em todos os que o presenciaram. A lembrança da aprovação de Deus em sua face; suas palavras que tocaram a própria alma dos que as ouviram, permaneceram na mente dos espectadores e testificaram da verdade do que ele havia proclamado. Sua morte foi uma rude prova para a igreja, mas resultou na convicção de Saulo, que não pôde apagar de sua memória a fé e constância do mártir e a glória que lhe resplandeceu no rosto. Na cena do julgamento e morte de Estêvão, Saulo parecera estar imbuído de um zelo frenético.     Depois ficara irado com sua própria convicção íntima de que Estêvão fora honrado por Deus, ao mesmo tempo em que era desonrado pelos homens. Saulo continuou a perseguir a Pág. 102 igreja de Deus, afligindo os seus membros, prendendo-os em suas casas e entregando-os aos sacerdotes e príncipes para prisão e morte. Seu zelo em levar avante esta perseguição aterrorizou os cristãos em Jerusalém. As autoridades romanas nenhum esforço especial fizeram para deter a cruel obra, e secretamente ajudavam os judeus, a fim de conciliá-los e assegurar seu favor. Depois da morte de Estêvão, Saulo foi eleito membro do conselho do Sinédrio, em consideração à parte que desempenhara naquela ocasião. Durante algum tempo foi um instrumento poderoso nas mãos de Satanás para promover sua rebelião contra o Filho de Deus. Logo, porém, este implacável perseguidor deveria ser empregado em edificar a igreja que agora estava a derribar. Alguém, mais poderoso que Satanás, escolhera Saulo para tomar o lugar do martirizado Estêvão, a fim de pregar e sofrer pelo Seu nome e propagar extensamente as novas da salvação por meio de Seu sangue.


    Depois da morte de Estêvão, levantou-se em Jerusalém uma perseguição tão implacável contra os crentes que "todos foram dispersos pelas terras da Judéia e Samaria". Atos 8:1. Saulo "assolava a igreja, entrando pelas casas: e, arrastando homens e mulheres, os encerrava na prisão". Atos 8:3. De seu zelo nesta cruel obra disse ele posteriormente: "Bem tinha eu imaginado que contra o nome de Jesus Nazareno devia eu praticar muitos atos; o que também fiz em Jerusalém. E, havendo recebido poder dos principais dos sacerdotes, encerrei muitos dos santos nas prisões; ... e, castigando-os muitas vezes por todas as sinagogas, os obriguei a blasfemar. E, enfurecido demasiadamente contra eles, até nas cidades estranhas os persegui." Atos 26:9-11. Que Estêvão não foi o único que sofreu a morte pode ser evidenciado das próprias palavras de Saulo: "E quando os matavam eu dava o meu voto contra eles." Atos 26:9.
    Nesse tempo de perigo, Nicodemos veio destemerosamente confessar sua fé no Salvador. Nicodemos era membro do Sinédrio, e com outros tinha sido movido pelos ensinos de Jesus. Ao testemunhar as maravilhosas obras de Cristo, a convicção de que Este era o enviado de Deus tomou posse de sua mente. Demasiado orgulhoso para se mostrar abertamente simpático ao Mestre galileu, havia procurado uma entrevista secreta. Nesta entrevista, Jesus desdobrara perante ele o plano da salvação e de Sua missão ao mundo; entretanto Nicodemos hesitava ainda. Tinha a verdade no coração, e por três anos houve pouco fruto aparente. Mas, conquanto não tivesse publicamente reconhecido a Cristo, repetidamente havia ele no concílio do Sinédrio impedido os desígnios dos sacerdotes para destruí-Lo. Quando afinal Cristo foi levantado na cruz, Nicodemos se lembrou das palavras que Ele dissera na noite da entrevista no Monte das Oliveiras: "Como Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que o Filho do homem seja levantado" (João 3:14); e ele viu em Jesus o Redentor do mundo.
    Com José de Arimatéia, Nicodemos tinha feito face às despesas do sepultamento de Jesus. Os discípulos estavam temerosos de se mostrarem abertamente como seguidores de Cristo, mas Nicodemos e José corajosamente vieram em seu auxílio. O concurso desses ricos e honrados homens era grandemente necessário naquela hora de trevas. Eles puderam fazer por seu Mestre morto o que teria sido impossível para os pobres discípulos; e sua riqueza e influência os protegeram, em grande medida, da maldade dos sacerdotes e príncipes.
    Agora, quando os judeus procuravam destruir a igreja nascente, Nicodemos veio em sua defesa. Não mais cauteloso nem duvidando, encorajou a fé dos discípulos, e usou sua riqueza em ajudar a manter a igreja em Jerusalém, e no avanço da obra do evangelho. Os que noutros tempos o reverenciaram, agora o perseguiam e dele escarneciam; e ele tornou-se pobre em bens deste mundo, mas não esmoreceu na defesa de sua fé.
    A perseguição que sobreveio à igreja de Jerusalém resultou em grande impulso para a obra do evangelho. O êxito havia acompanhado o ministério da Palavra neste lugar, e havia o perigo de que os discípulos ali se demorassem por muito tempo, despreocupados da comissão que haviam recebido do Salvador de irem por todo o mundo. Esquecidos de que a fortaleza para resistir ao mal é melhor obtida pelo trabalho intenso, começaram a pensar que não havia para eles trabalho tão importante como o de proteger a igreja de Jerusalém dos ataques do inimigo. Em lugar de instruir os novos conversos para levarem o evangelho aos que ainda não o haviam ouvido, estavam em perigo de tomar um caminho que os levaria a se sentirem satisfeitos com o que já tinha sido alcançado. A fim de espalhar Seus representantes por outras partes do mundo, de maneira que pudessem trabalhar por outros, Deus permitiu que lhes sobreviesse a perseguição. Expulsos de Jerusalém, os crentes "iam por toda a parte anunciando a Palavra".
    Entre aqueles a quem o Salvador dera a missão: "Portanto ide, ensinai todas as nações", (Mat. 28:19), havia muitos que eram das camadas mais humildes, homens e mulheres que tinham aprendido a amar seu Senhor, e que decidiram seguir Seu exemplo de abnegado serviço. A estes humildes; bem como aos discípulos que tinham estado com o Salvador durante Seu ministério terrestre, fora confiado o precioso encargo. Deveriam levar ao mundo as alegres novas da salvação por meio de Cristo.
    Quando foram espalhados pela perseguição, saíram cheios de zelo missionário. Compenetraram-se da responsabilidade de sua missão. Sabiam ter nas mãos o pão da vida para um mundo faminto; e eram constrangidos pelo amor de Cristo a distribuir este pão a todos os que estivessem em necessidade. O Senhor operava por meio deles. Aonde quer que iam, os doentes eram curados e aos pobres se pregava o evangelho.
    Filipe, um dos sete diáconos, estava entre os que foram expulsos de Jerusalém. E "descendo Filipe à cidade de Samaria, lhes pregava a Cristo. E as multidões unanimemente prestavam atenção ao que Filipe dizia, porque ouviam e viam os sinais que ele fazia. Pois que os espíritos imundos saíam de muitos que os tinham, ... e muitos paralíticos e coxos eram curados. E havia grande alegria naquela cidade".
    A mensagem de Cristo à mulher samaritana com quem Ele falara junto ao poço de Jacó, tinha produzido fruto. Após ouvir Suas palavras, a mulher tinha ido aos habitantes da cidade, dizendo: "Vinde, vede um homem que me disse tudo quanto tenho feito: porventura não é este o Cristo?" Eles foram com ela, ouviram Jesus e creram nEle. Ansiosos por ouvir mais, suplicaram-Lhe que permanecesse com eles. Por dois dias Ele Se demorou com eles, "e muitos mais creram nEle, por causa da Sua palavra". João 4:29 e 41.   
    E quando Seus discípulos foram expulsos de Jerusalém, alguns encontraram seguro asilo em Samaria. Os samaritanos receberam bem os mensageiros do evangelho, e os judeus convertidos colheram preciosos frutos entre aqueles que uma vez foram seus mais fortes inimigos.
    O trabalho de Filipe em Samaria foi assinalado por grande sucesso, e assim, encorajado, mandou pedir auxílio em Jerusalém. Os apóstolos então perceberam mais amplamente o sentido das palavras de Cristo: "Ser-Me-eis testemunhas, tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria, e até aos confins da Terra." Atos 1:8.
    Quando Filipe ainda se encontrava em Samaria, foi-lhe determinado por um mensageiro celestial que fosse "para a banda do sul, ao caminho que desce de Jerusalém para Gaza." "E levantou-se, e foi." Atos 8:26 e 27. Ele não pôs em dúvida o chamado, nem hesitou em obedecer, pois havia aprendido a lição da conformidade com a vontade de Deus.
    "E eis que um homem etíope, eunuco, mordomo-mor de Candace, rainha dos etíopes, o qual era superintendente de todos os seus tesouros, e tinha ido a Jerusalém para adoração, regressava, e assentado no seu carro, lia o profeta Isaías." Atos 8:27 e 28. Este etíope era homem de boa posição e grande influência. Deus viu que, quando se convertesse, proporcionaria a outros a luz que recebera, e exerceria forte influência em prol do evangelho. Anjos de Deus estavam auxiliando este inquiridor da luz, e ele estava sendo atraído para o Salvador. Pelo ministério do Espírito Santo, o Senhor o pôs em contato com quem o poderia guiar à luz.
    Filipe foi dirigido a ir ter com o etíope e explicar-lhe a profecia que estava lendo. "Chega-te", disse o Espírito,
"e ajunta-te a esse carro." Atos 8:29. Aproximando-se, Filipe perguntou ao eunuco: "Entendes tu o que lês? E ele disse: Como poderei entender, se alguém me não ensinar? E rogou a Filipe que subisse e com ele se assentasse." Atos 8:31. A passagem que ele estava lendo era a profecia de Isaías relativa a Cristo: "Foi levado como a ovelha para o matadouro, e, como está mudo o cordeiro diante do que o tosquia, assim não abriu a Sua boca. Na Sua humilhação foi tirado o Seu julgamento; e quem contará a Sua geração? porque a Sua vida é tirada da Terra." Atos 8:32 e 33.
    "De quem diz isto o profeta?" perguntou o eunuco; "de si mesmo ou de algum outro?" Então Filipe lhe patenteou a grande verdade da redenção. Começando com a mesma passagem, "lhe anunciou a Jesus". Atos 8:34 e 35.
    O coração do homem fremia de interesse ao serem-lhe explicadas as Escrituras; e, ao terminar o discípulo, estava pronto para aceitar a luz proporcionada. Ele não fez de sua elevada posição mundana uma desculpa para recusar o evangelho. "Indo eles caminhando, chegaram ao pé de alguma água, e disse o eunuco: Eis aqui água; que impede que eu seja batizado? E disse Filipe: É lícito, se crês de todo o coração. E, respondendo ele, disse: Creio que Jesus Cristo é o Filho de Deus. E mandou parar o carro, e desceram ambos à água, tanto Filipe como o eunuco, e o batizou.
    "E, quando saíram da água, o Espírito do Senhor arrebatou a Filipe, e não o viu mais o eunuco; e, jubiloso, continuou o seu caminho. E Filipe se achou em Azoto, e, indo passando, anunciava o evangelho em todas as cidades, até que chegou a Cesaréia." Atos 8:36-40.
    Este etíope representa uma grande classe que necessita ser ensinada por missionários como Filipe - homens que ouçam a voz de Deus, e vão aonde Ele manda. Muitos há que estão lendo as Escrituras sem compreender-lhes o verdadeiro significado. Em todo o mundo homens e mulheres olham atentamente para o Céu. De almas anelantes de luz, de graça, do Espírito Santo, sobem orações, lágrimas e indagações. Muitos estão no limiar do reino, esperando somente serem recolhidos.
    Um anjo guiou Filipe àquele que procurava a luz, e que estava pronto para receber o evangelho; e hoje anjos guiarão os passos dos obreiros que permitam ao Espírito Santo santificar-lhes a língua, educar e enobrecer-lhes o coração. O anjo enviado a Filipe poderia ter ele próprio feito a obra pelo etíope, mas essa não é a maneira de Deus agir. É Seu plano que os homens trabalhem por seus semelhantes.
    Crentes de todos os séculos têm tomado parte na incumbência dada aos primeiros discípulos. Todos os que receberam o evangelho, receberam a sagrada verdade para repartir ao mundo. Os fiéis de Deus têm sido sempre destemidos missionários, consagrando seus recursos para a honra de Seu nome, e sabiamente usando seus talentos em Seu serviço.
    A obra altruísta de cristãos do passado deveria ser uma lição objetiva e uma inspiração para nós. Os membros da igreja de Deus devem ser zelosos de boas obras, separando-se de ambições mundanas e seguindo nos passos dAquele que andou fazendo o bem. Com o coração repleto de simpatia e compaixão, devem eles ministrar aos que necessitam de auxílio, levando aos pecadores o conhecimento do amor do Salvador. Tal obra requer laboriosos esforços, mas produz rica recompensa. Os que nela se empenham com sinceridade de propósito verão almas salvas para o Salvador; pois a influência que acompanha a atividade prática da divina missão é irresistível.
    Não somente sobre o ministro ordenado repousa a responsabilidade de sair a cumprir esta missão. Todo o que haja recebido a Cristo é chamado a trabalhar pela salvação de seus semelhantes. "O Espírito e a esposa dizem: Vem. E quem ouve, diga: Vem." O dever de fazer este convite inclui a igreja toda. Todo o que tenha ouvido o convite, deve fazer ecoar a mensagem pelas colinas e vales, dizendo: "Vem." Apoc. 22:17.
    É erro fatal supor que a obra de salvação de almas depende só do ministério. O humilde e consagrado crente sobre quem o Senhor da vinha colocou o encargo das almas, deve receber encorajamento daqueles a quem o Senhor deu maiores responsabilidades. Os que ocupam lugar de líderes na igreja de Deus devem sentir que a missão do Salvador é dada a todos os que crerem no Seu nome. Deus deseja enviar para a Sua vinha a muitos que não foram consagrados ao ministério pela imposição das mãos.
    Centenas, quiçá milhares, que já ouviram a mensagem de salvação estão ainda ociosos na praça, quando podiam estar empenhados em algum setor de trabalho ativo. A esses Cristo está dizendo: "Por que estais ociosos todo o dia?" E acrescenta: "Ide vós também para a vinha." Mat. 20:6 e 7. Por que razão muitos mais não respondem ao chamado? Será porque se imaginam escusados pelo fato de não ocuparem os púlpitos? Estes devem compreender que há uma vasta obra a ser feita fora do púlpito, por milhares de consagrados membros leigos.
    Longamente tem Deus esperado que o espírito de serviço se apodere de toda a igreja, de maneira que cada um trabalhe para Ele segundo sua habilidade. Quando os membros da igreja de Deus fizerem a obra que lhes é indicada nos necessitados campos nacionais e estrangeiros, em cumprimento da comissão evangélica, todo o mundo será logo advertido, e o Senhor Jesus retornará à Terra com poder e grande glória. "E este evangelho do reino será pregado em todo o mundo, em testemunho a todas as gentes, e então virá o fim." Mat. 24:14.


    Depois de seu batismo, Paulo quebrou o jejum, e permaneceu "alguns dias com os discípulos que estavam em Damasco. E logo nas sinagogas pregava a Jesus, que Este era o Filho de Deus". Ousadamente declarou ser Jesus de Nazaré o ansiado Messias, que "morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras; ... foi sepultado, e... ressurgiu ao terceiro dia", após o que foi visto pelos doze e pelos outros. "E por derradeiro de todos", acrescenta Paulo, "me apareceu também a mim, como a um abortivo." I Cor. 15:3, 4 e 8. Sua argumentação com respeito às profecias era tão lógica, seus esforços tão manifestamente acompanhados pelo poder de Deus, que os judeus ficavam confundidos e eram incapazes de responder-lhe.
    As novas da conversão de Paulo haviam chegado aos judeus como enorme surpresa. Aquele que havia viajado para Damasco "com poder e comissão dos principais dos sacerdotes" (Atos 26:12), para prender e processar os crentes, estava agora pregando o evangelho do Salvador crucificado e ressurgido, fortalecendo as mãos dos que eram já Seus discípulos e continuamente trazendo novos conversos para a fé a que outrora tão amargamente se opusera.
    Paulo fora anteriormente reconhecido como zeloso defensor da religião judaica, e implacável perseguidor dos seguidores de Jesus. Corajoso, independente, perseverante, seus talentos e preparo tê-lo-iam capacitado a servir quase em qualquer atividade. Era capaz de arrazoar com clareza extraordinária, e por seu fulminante sarcasmo podia colocar o adversário em posição nada invejável. E agora os judeus viam esse jovem extraordinariamente promissor unido com aqueles a quem antes perseguira, pregando destemidamente no nome de Jesus.
Um general que tomba em combate está perdido para seu exército, mas sua morte não acrescenta força ao inimigo. Mas quando um homem preeminente se une às forças opositoras, não apenas se perdem seus serviços como ganham decidida vantagem aqueles com quem se uniu. Saulo de Tarso, em caminho para Damasco, podia facilmente ter sido fulminado pelo Senhor, e muita força se teria retirado do poder perseguidor. Mas Deus em Sua providência não apenas poupou a vida de Saulo, mas converteu-o, transferindo assim um campeão do campo do inimigo para o lado de Cristo. Orador eloqüente e crítico severo, Paulo, com seu decidido propósito e inquebrantável coragem, possuía as próprias qualificações necessárias à igreja primitiva.
    Enquanto Paulo pregava a Cristo em Damasco, todos os que o ouviam ficavam admirados, e diziam: "Não é este o que em Jerusalém perseguia os que invocavam este nome, e para isso veio aqui, para os levar presos aos principais dos sacerdotes?" Paulo declarava que sua mudança de fé não tinha sido gerada por impulso ou fanatismo, mas fora resultado de irresistível evidência. Em sua apresentação do evangelho, ele procurava tornar claras as profecias relativas à primeira vinda de Cristo. Mostrava irrefutavelmente que essas profecias se tinham cumprido literalmente em Jesus de Nazaré. O fundamento de sua fé era a segura palavra da profecia.
    Enquanto continuava a apelar a seus assombrados ouvintes para "que se emendassem e se convertessem a Deus, fazendo obras dignas de arrependimento", (Atos 26:20), Saulo "se esforçava muito mais, e confundia os judeus que habitavam em Damasco, provando que Aquele era o Cristo". Muitos, porém, endureceram o coração, recusando-se a atender a sua mensagem; e logo o espanto deles pela sua conversão foi mudado em ódio intenso, semelhante ao que haviam mostrado para com Jesus.
    A oposição tornou-se tão violenta que não foi permitido a Paulo continuar seus labores em Damasco. Um mensageiro do Céu ordenou-lhe retirar-se por algum tempo; e ele foi "para a Arábia", onde encontrou um refúgio seguro. Gál. 1:17.
    Ali, na solitude do deserto, Paulo teve ampla oportunidade para sossegado estudo e meditação. Recapitulou calmamente sua experiência passada, possuindo-se de genuíno arrependimento.    Buscou a Deus de todo o coração, não descansando até que tivesse a certeza de que seu arrependimento fora aceito e seus pecados perdoados. Anelava a certeza de que Jesus estaria com ele em seu ministério futuro. Esvaziou a alma dos preconceitos e tradições que lhe haviam até então modelado a vida e recebeu instruções da fonte da verdade. Jesus comungou com ele e confirmou-o na fé, conferindo-lhe uma rica medida de sabedoria e graça.
    Quando a mente de um homem é posta em comunhão com a mente de Deus, o finito com o infinito, o efeito sobre o corpo, a mente e a alma vai além do admissível. Em comunhão tal é encontrada a mais alta educação. É o método de desenvolvimento usado por Deus. "Une-te, pois, a Ele", é a mensagem do Senhor à humanidade. Jó 22:21.
    A solene incumbência dada a Paulo por ocasião de seu encontro com Ananias, pesou-lhe mais e mais sobre o coração. Quando, em resposta à declaração: "Irmão Saulo, o Senhor Jesus... me enviou, para que tornes a ver", Paulo olhou pela primeira vez a face deste devoto homem, Ananias, sob a inspiração do Espírito Santo, disse-lhe: "O Deus de nossos pais de antemão te designou para que conheças a Sua vontade, e vejas aquele Justo, e ouças a voz de Sua boca. Porque hás de ser Sua testemunha para com todos os homens do que tens visto e ouvido. E agora por que te deténs? Levanta-te, e batiza-te, e lava os teus pecados, invocando o nome do Senhor." Atos 22:14-16.
    Estas palavras estavam em harmonia com as palavras do próprio Jesus, que, quando deteve Saulo na viagem para Damasco, declarou: "Porque te apareci por isto, para te pôr por ministro e testemunha tanto das coisas que tens visto como daquelas pelas quais te aparecerei ainda; livrando-te deste povo e dos gentios, a quem agora te envio, para lhes abrires os olhos, e das trevas os converteres à luz, e do poder de Satanás a Deus; a fim de que recebam a remissão dos pecados, e sorte entre os santificados pela fé em Mim." Atos 26:16-18.
    Ponderando essas coisas em seu coração, Paulo compreendeu mais e mais claro a razão de seu chamado - ser um "apóstolo de Jesus Cristo, pela vontade de Deus". I Cor. 1:1. Este chamado lhe veio, "não da parte dos homens, nem por homem algum, mas por Jesus Cristo, e por Deus Pai". Gál. 1:1. A magnitude da obra que estava a sua frente levou-o a dedicar muito estudo às Escrituras Sagradas, a fim de que pudesse pregar o evangelho, "não em sabedoria de palavras, para que a cruz de Cristo se não faça vã", "mas em demonstração de Espírito e de poder", para que a fé de todos os que ouvissem "não se apoiasse em sabedoria dos homens, mas no poder de Deus". I Cor. 1:17; 2:4 e 5.
    Ao examinar as Escrituras, Paulo aprendeu que através dos séculos "não são muitos os sábios segundo a carne, nem muitos os poderosos, nem muitos os nobres que são chamados. Mas Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias; e Deus escolheu as coisas fracas deste mundo para confundir as fortes; e Deus escolheu as coisas vis deste mundo, e as desprezíveis e as que não são, para aniquilar as que são; para que nenhuma carne se glorie perante Ele". I Cor. 1:26-29. E assim, considerando a sabedoria do mundo à luz que promana da cruz, Paulo se propôs nada "saber... senão a Jesus Cristo, e Este crucificado". I Cor. 2:2.
    Através de todo o seu ministério posterior, Paulo jamais perdeu de vista a Fonte de sua sabedoria e força. Ouviu-o declarar anos mais tarde: "Porque para mim o viver é Cristo." Filip. 1:21. E de novo: "Tenho também por perda todas as coisas, pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; pelo qual sofri a perda de todas estas coisas... para que possa ganhar a Cristo, e seja achado nEle, não tendo a minha justiça que vem da lei, mas a que vem pela fé em Cristo, a saber, a justiça que vem de Deus pela fé; para conhecê-Lo, e à virtude da Sua ressurreição, e à comunicação de Suas aflições." Filip. 3:8-10.
    Da Arábia, Paulo voltou outra vez a Damasco (Gál. 1:17), e "falava ousadamente... no nome de Jesus". Incapazes de resistir à sabedoria de seus argumentos, "os judeus tomaram conselho entre si para o matar". As portas da cidade eram guardadas diligentemente, de dia e de noite, para impedir que ele escapasse. Esta situação crítica levou os discípulos a buscar a Deus com fervor; e, finalmente, "tomando-o de noite, os discípulos o desceram, dentro de um cesto, pelo muro". Atos 9:25.
Depois de escapar de Damasco, Paulo foi a Jerusalém, tendo já passado três anos de sua conversão. Seu principal objetivo ao fazer esta visita, como ele próprio mais tarde declarou, era "ver a Pedro". Gál. 1:18. Tendo chegado à cidade onde outrora fora bem conhecido como "Saulo, o perseguidor", "procurava ele juntar-se aos discípulos, mas todos o temiam, não crendo que fosse discípulo". Era-lhes difícil crer que tão fanático fariseu, e um dos que tanto fizeram para destruir a igreja, se pudesse transformar num sincero seguidor de Jesus. "Então Barnabé, tomando-o consigo, o trouxe aos apóstolos, e lhes contou como no caminho ele vira ao Senhor e lhe falara, e como em Damasco falara ousadamente no nome de Jesus."
    Ouvindo isso, os discípulos o receberam como um de seu número. Logo tiveram provas abundantes da genuinidade de sua experiência cristã. O futuro apóstolo dos gentios agora se achava na cidade em que viviam muitos de seus anteriores companheiros; e a estes chefes judeus almejava ele explicar as profecias relativas ao Messias, as quais se cumpriam no advento do Salvador. Paulo estava certo de que esses mestres em Israel, com os quais estivera tão bem familiarizado, eram tão sinceros e honestos como ele o fora. Mas apreciara erradamente o espírito de seus irmãos judeus, e na esperança de sua rápida conversão estava condenado a amargo desapontamento. Ainda que falasse "ousadamente no nome de Jesus", e disputasse "também contra os gregos", aqueles que estavam à testa da igreja judaica se recusaram a crer, antes "procuravam matá-lo". A tristeza encheu-lhe o coração. De boa vontade teria ele dado a vida se, por este meio, pudesse trazer alguns ao conhecimento da verdade. Com vergonha pensava na parte ativa que tomara no martírio de Estêvão; e agora, em sua ansiedade por apagar a mancha que repousava sobre aquele que fora tão falsamente acusado, procurava reivindicar a verdade pela qual Estêvão dera a vida.
    Sentindo a responsabilidade em relação aos que se recusavam a crer, estava Paulo a orar no templo, como ele próprio testificou mais tarde, quando caiu em êxtase. Nisso aparece diante dele um mensageiro celestial e diz: "Dá-te pressa, e sai apressadamente de Jerusalém; porque não receberão o teu testemunho acerca de Mim." Atos 22:18.
Paulo se inclinava a permanecer em Jerusalém, onde poderia fazer frente à oposição. Parecia-lhe um ato de covardia fugir, se, permanecendo, pudesse convencer alguns dos obstinados judeus quanto à verdade da mensagem evangélica, mesmo que o permanecer lhe custasse a vida. E assim respondeu: "Senhor, eles bem sabem que eu lançava na prisão e açoitava nas sinagogas os que criam em Ti. E quando o sangue de Estêvão, Tua testemunha, se derramava, também eu estava presente, e consentia na sua morte, e guardava os vestidos dos que o matavam." Mas não estava de acordo com os propósitos de Deus que Seu servo desnecessariamente expusesse a vida; e o mensageiro celestial respondeu: "Vai, porque hei de enviar-te aos gentios de longe." Atos 22:19-21.
    Ao saberem desta visão, os irmãos apressaram-se em efetuar ocultamente a saída de Paulo de Jerusalém, receosos de que fosse assassinado. Os irmãos "o acompanharam até Cesaréia, e o enviaram a Tarso". Atos 9:30. A partida de Paulo suspendeu por algum tempo a oposição violenta dos judeus, e a igreja teve um período de descanso, no qual muitos foram acrescentados ao número dos crentes.  AA cap13
 


    Entre os guias judeus que ficaram profundamente abalados com o êxito que acompanhava a proclamação do evangelho, encontrava-se, preeminentemente, Saulo de Tarso. Cidadão romano de nascimento, Saulo era não obstante judeu por descendência, e fora educado em Jerusalém pelos mais eminentes rabis. "Da linhagem de Israel, da tribo de Benjamim", era Saulo "hebreu de hebreus"; segundo a lei, foi "fariseu, segundo o zelo, perseguidor da igreja, segundo a justiça que há na lei, irrepreensível." Filip. 3:5 e 6. Era considerado pelos rabinos como um jovem altamente promissor, e grandes esperanças eram acariciadas com respeito a ele como capaz e zeloso defensor da antiga fé. Sua elevação a membro do Sinédrio colocou-o numa posição de poder. Saulo tinha tomado parte saliente no julgamento e condenação de Estêvão, e a impressionante evidência da presença de Deus com o mártir tinha-o deixado em dúvida quanto à justiça da causa que ele havia esposado contra os seguidores de Jesus. Sua mente estava profundamente agitada. Em sua perplexidade consultou aqueles em cuja sabedoria e juízo tinha plena confiança. Os argumentos dos sacerdotes e príncipes convenceram-no afinal de que Estêvão fora um blasfemo, que o Cristo que o discípulo martirizado pregara fora um impostor e que tinham forçosamente de ter razão esses que ministravam no santo serviço.
    Não foi sem um rigoroso exame que Saulo chegou a essa conclusão. Mas, afinal, sua educação e preconceitos, seu respeito para com os mestres antigos, e seu orgulho e popularidade deram-lhe força para rebelar-se contra a voz da consciência e a graça de Deus. E, resolvido plenamente a dar razão aos sacerdotes e escribas, Saulo fez acérrima oposição às doutrinas ensinadas pelos discípulos de Jesus. Sua atividade, fazendo com que homens santos e santas mulheres fossem arrastados perante os tribunais, onde alguns eram condenados à prisão, e outros à morte mesmo, unicamente por causa de sua fé em Jesus, trouxe tristezas e pesares à igreja recentemente organizada, e fez muitos buscarem segurança na fuga.
    Os que foram expulsos de Jerusalém por esta perseguição "iam por toda a parte, anunciando a Palavra". Atos 8:4. Entre as cidades para as quais foram, achava-se Damasco, onde a nova fé ganhou muitos conversos.
    Os sacerdotes e príncipes tinham esperado que por um esforço vigilante e severa perseguição a heresia pudesse ser suprimida. Compreendiam agora que deveriam prosseguir em outros lugares com as medidas decisivas tomadas em Jerusalém contra o novo ensino. Para o trabalho especial que desejavam fosse feito em Damasco, Saulo ofereceu os seus serviços: "Respirando ainda ameaças, e mortes contra os discípulos do Senhor", ele "dirigiu-se ao sumo sacerdote, e pediu-lhe cartas para Damasco para as sinagogas, a fim de que, se encontrasse alguns daquela seita, quer homens quer mulheres, os conduzisse presos a Jerusalém." Atos 9:1 e 2. Assim, "com poder e comissão dos principais dos sacerdotes" (Atos 26:12), Saulo de Tarso, na força e vigor da varonilidade, e ardendo em um zelo mal entendido, pôs-se a caminho naquela memorável jornada, cujas estranhas ocorrências deveriam mudar todo o curso de sua vida.
    No último dia da viagem, "ao meio-dia" (Atos 26:13), quando os cansados viajantes se aproximavam de Damasco, seus olhos contemplaram o cenário de amplas extensões de terras férteis, belos jardins e pomares frutíferos, banhados pelas refrigerantes correntes das montanhas ao redor. Depois da longa viagem por áreas desoladas, tais cenas eram na verdade aprazíveis. Enquanto Saulo e seus companheiros se deleitavam na contemplação da planície frutífera e da bela cidade abaixo, "subitamente" (Atos 9:3), como ele mais tarde declarou, "envolveu a mim e aos que iam comigo" "uma luz do céu, que excedia o esplendor do Sol" (Atos 26:13), por demais gloriosa para que os olhos mortais a suportassem. Cego e desorientado, Saulo caiu prostrado ao chão.
    Enquanto a luz continuava a resplandecer em redor deles, Saulo ouviu "uma voz que... falava... em língua hebraica" (Atos 26:14), e "que lhe dizia: Saulo, Saulo, por que Me persegues? E Ele disse: Quem és, Senhor? E disse o Senhor: Eu sou Jesus, a quem tu persegues. Duro é para ti recalcitrar contra os aguilhões". Atos 9:4 e 5. Ouviram a voz, mas a ninguém viram. Saulo, porém, compreendeu as palavras que foram faladas; e a ele claramente foi revelado Aquele que falou, a saber, o Filho de Deus. No Ser glorioso que estava diante dele, viu o Crucificado. Na alma do judeu surpreso, a imagem do rosto do Salvador ficou gravada para sempre. As palavras faladas lhe atingiram o coração com terrível força. Nos entenebrecidos recessos do espírito derramou-se-lhe uma inundação de luz, revelando a ignorância e o erro de sua vida anterior e sua presente necessidade de esclarecimento do Espírito Santo.
    Saulo viu agora que em perseguir os seguidores de Jesus, em realidade tinha estado a fazer a obra de Satanás. Viu que suas convicções do direito e de seu próprio dever tinham estado grandemente baseadas em sua implícita confiança nos sacerdotes e príncipes. Tinha crido neles quando lhe afirmaram que a história da ressurreição de Cristo fora um artifício forjado pelos discípulos. Agora que o próprio Jesus Se lhe revelara, Saulo estava convencido da veracidade das reivindicações feitas pelos discípulos.
    Naquela hora de iluminação celeste, o espírito de Saulo agiu com notável rapidez. Os registros proféticos das Escrituras Sagradas abriram-se-lhe à compreensão. Viu que a rejeição de Jesus pelos judeus, Sua crucifixão, ressurreição e ascensão, tinham sido preditas pelos profetas e demonstravam ser Ele o Messias prometido. O sermão de Estêvão, por ocasião de seu martírio, foi de maneira impressiva trazido ao espírito de Saulo, e ele compreendeu que o mártir sem dúvida contemplava "a glória de Deus", quando dizia: "Eis que vejo os Céus abertos, e o Filho do homem, que está em pé à mão direita de Deus."    Atos 7:55 e 56. Os sacerdotes tinham declarado blasfemas essas palavras, mas Saulo agora sabia que elas eram verdade.
    Em tudo isto, que revelação para o perseguidor! Saulo sabia agora com certeza que o prometido Messias viera à Terra na pessoa de Jesus de Nazaré, que fora rejeitado e crucificado por aqueles a quem viera salvar. Sabia também que o Salvador ressurgira triunfalmente do túmulo e ascendera ao Céu. Naquele momento de revelação divina Saulo lembrou-se com terror de que Estêvão, que dera testemunho de um Salvador crucificado e ressuscitado, fora sacrificado por seu consentimento, e que, mais tarde, por seu intermédio, muitos outros dignos seguidores de Jesus haviam encontrado a morte pela perseguição cruel.
    O Salvador falara a Saulo por intermédio de Estêvão, cujo claro raciocínio não pôde ser contraditado. O erudito judeu tinha visto a face do mártir refletindo a luz da glória de Cristo, sendo sua aparência "como o rosto de um anjo". Atos 6:15. Testemunhara sua clemência pelos inimigos e o perdão que lhes concedera. Tinha testemunhado também a animosa e alegre resignação de muitos de cujo tormento e aflição tinha sido causa. Tinha visto alguns deporem a própria vida com regozijo, por amor de sua fé.
    Todas estas coisas tinham apelado altamente a Saulo, e às vezes se lhe alojara na mente uma quase avassaladora convicção de que Jesus era o prometido Messias. Nessas ocasiões ele havia lutado noites inteiras contra esta convicção, e sempre terminara por manter a crença de que Jesus não era o Messias, e que Seus discípulos eram fanáticos iludidos.
    Agora Cristo falara a Saulo com Sua própria voz, dizendo: "Saulo, Saulo, por que Me persegues?" E a interrogação: "Quem és, Senhor?" foi respondida pela mesma voz: "Eu sou Jesus, a quem tu persegues." Atos 9:4 e 5. Cristo aqui Se identifica com Seu povo. Perseguindo os seguidores de Jesus, Saulo tinha batalhado diretamente contra o Senhor do Céu. Em os acusar falsamente, e falsamente testificar contra eles, havia acusado falsamente a Jesus e falsamente testificado contra o Salvador do mundo.
    Nenhuma dúvida assaltou a mente de Saulo quanto a ser Aquele que lhe falara Jesus de Nazaré, o tão longamente esperado Messias, a consolação e redenção de Israel. "E ele, tremendo e atônito", perguntou: "Senhor, que queres que faça? E disse-lhe o Senhor: Levanta-te, e entra na cidade, e lá te será dito o que te convém fazer." Atos 9:6.
    Quando se retirou a glória e Saulo se levantou do chão, achou-se completamente despojado da vista. O brilho da glória de  Cristo fora por demais intenso para seus olhos mortais; e, desaparecido esse brilho, a escuridão da noite invadiu-lhe a visão. Creu que essa cegueira era um castigo divino por sua cruel perseguição aos seguidores de Jesus. Em terríveis trevas tateava em torno, e seus companheiros, em temor e pasmo "guiando-o pela mão, o conduziram a Damasco". Atos 9:8.
    Na manhã deste acidentado dia, Saulo tinha-se aproximado de Damasco com sentimentos de presunção por causa da confiança nele depositada pelos principais dos sacerdotes. Havia sido confiada a ele grande responsabilidade. Fora comissionado para promover os interesses da religião judaica, impedindo, se possível, a disseminação da nova fé em Damasco. Determinara que sua missão seria coroada de êxito, e com ávida antecipação olhava as experiências que o aguardavam.
    Quão diferente do que imaginara foi sua entrada na cidade! Ferido de cegueira, desorientado, torturado pelo remorso, não sabendo se outros juízos o aguardavam ainda, procurou ali a casa do discípulo Judas, onde, em solidão, teve ampla oportunidade para refletir e orar.
    Saulo "esteve três dias sem ver, e não comeu nem bebeu". Atos 9:9. Esses dias de íntima agonia tiveram para ele a duração de anos. Vezes sem conta ele recordava, com o espírito angustiado, a parte que tinha desempenhado no martírio de Estêvão. Com horror pensava em sua culpa por se haver deixado controlar pela maldade e preconceito dos sacerdotes e príncipes, mesmo quando a face de Estêvão fora iluminada pelas radiações do Céu. Com o espírito triste e quebrantado reconsiderou as inúmeras vezes que tinha fechado os olhos e os ouvidos às mais tocantes evidências, e persistentemente incrementara a perseguição aos crentes em Jesus de Nazaré.
    Esses dias de exame de consciência e humilhação do coração foram passados em reclusão íntima. Os crentes, tendo sido advertidos dos propósitos de Saulo em vir a Damasco, temiam estivesse ele representando, para mais facilmente iludi-los; e eles se mantinham arredios, recusando-lhe sua simpatia. Ele não desejava apelar aos judeus inconversos, aqueles com quem planejara unir-se na perseguição aos crentes; pois sabia que nem sequer dariam ouvidos a sua história. Assim, parecia-lhe estar separado de toda a simpatia humana. Sua única esperança de ajuda estava num misericordioso Deus, e para Ele apelou em quebrantos de coração.
    Durante as longas horas em que Saulo estivera fechado a sós com Deus, relembrou muitos textos das Escrituras referentes ao primeiro advento de Cristo. Com a memória aguçada pela convicção de que estava possuído, cuidadosamente seguiu o fio das profecias. Ao refletir no significado dessas profecias, ficou pasmado ante a cegueira de entendimento de que estivera possuído, bem como a dos judeus em geral, que os levara à rejeição de Jesus como o Messias prometido. A sua iluminada visão, tudo agora parecia claro. Sabia que seu anterior preconceito e incredulidade tinham-lhe obscurecido a percepção espiritual, impedindo-o de discernir em Jesus de Nazaré o Messias da profecia.
    Ao render-se Saulo inteiramente ao convincente poder do Espírito Santo, viu os erros de sua vida e reconheceu a amplitude dos reclamos da lei de Deus. Aquele que fora um orgulhoso fariseu, confiante na justificação por suas boas obras, curvou-se então perante Deus com a humildade e simplicidade de uma criancinha, confessando sua indignidade e pleiteando os méritos de um Salvador crucificado e ressurgido. Saulo ansiava por entrar em inteira harmonia e comunhão com o Pai e o Filho; e na intensidade de seu desejo de perdão e aceitação, elevou ferventes súplicas ao trono da graça.
    As orações do penitente fariseu não foram em vão. Os mais secretos pensamentos e emoções de seu coração foram transformados pela divina graça; e Suas nobres faculdades foram postas em harmonia com os eternos propósitos de Deus.    Cristo e Sua justiça passaram a representar para Saulo mais que o mundo inteiro.
    A conversão de Saulo é notável evidência do miraculoso poder do Espírito Santo para convencer os homens do pecado. Ele havia crido que de fato Jesus de Nazaré havia desconsiderado a lei de Deus, ensinando aos Seus discípulos ser a mesma de nenhum valor. Mas depois de sua conversão, Saulo tinha reconhecido Jesus de Nazaré como Aquele que viera ao mundo com o propósito expresso de defender a lei de Seu Pai. Estava convencido de que Jesus fora o originador de todo o sistema judaico de sacrifícios. Viu que o tipo da crucificação tinha encontrado o antítipo; que Jesus havia cumprido as profecias do Antigo Testamento, concernentes ao Redentor de Israel.
    No relato da conversão de Saulo, encontramos importantes princípios que devemos sempre ter em mente. Saulo foi levado diretamente à presença de Cristo. Foi uma pessoa designada por Cristo para uma importantíssima obra, alguém que devia ser "um vaso escolhido" (Atos 9:15), para Ele; no entanto o Senhor não lhe disse imediatamente qual a obra para ele designada. Embargou-lhe o caminho e convenceu-o do pecado; e quando Saulo perguntou: "Que queres que faça?" (Atos 9:6) o Salvador colocou o indagador judeu em contato com Sua igreja, para que obtivesse o conhecimento da vontade de Deus em relação a ele.
    A maravilhosa luz que iluminara as trevas de Saulo era obra do Senhor; mas havia também um trabalho a ser feito em favor dele pelos discípulos. Cristo tinha realizado a obra de revelação e convicção; agora o penitente estava em condições de aprender daqueles a quem o Senhor tinha ordenado que ensinassem a Sua verdade.
    Enquanto em recolhimento na casa de Judas, Saulo continuava em oração e súplica, o Senhor apareceu em visão a "certo discípulo" em Damasco, "chamado Ananias", dizendo-lhe que Saulo de Tarso estava orando e necessitava de auxílio. "Levanta-te, e vai à rua chamada Direita," disse o mensageiro celestial, "e pergunta em casa de Judas por um homem de Tarso chamado Saulo; pois eis que ele está orando; e numa visão ele viu que entrava um homem chamado Ananias, e punha sobre ele a mão, para que tornasse a ver." Atos 9:10-12.
    Ananias mal podia crer nas palavras do anjo; pois a notícia da tenaz perseguição aos santos em Jerusalém tinha-se espalhado amplamente. Atreveu-se a argumentar: "Senhor, a muitos ouvi acerca deste homem, quantos males tem feito aos Teus santos em Jerusalém; e aqui tem poder dos principais dos sacerdotes para prender a todos os que invocam o Teu nome." Mas a ordem foi imperativa: "Vai, porque este é para Mim um vaso escolhido, para levar o Meu nome diante dos gentios, e dos reis e dos filhos de Israel." Atos 9:13-15.
    Obediente à orientação do anjo, Ananias saiu em busca do homem que ainda recentemente havia respirado ameaças contra todos os que criam no nome de Jesus; e colocando as mãos sobre a cabeça do penitente sofredor, disse: "Irmão Saulo, o Senhor Jesus, que te apareceu no caminho por onde vinhas, me enviou, para que tornes a ver e sejas cheio do Espírito Santo.
"E logo lhe caíram dos olhos como que umas escamas, e recuperou a vista; e, levantando-se, foi batizado." Atos 9:17 e 18.
    Desta maneira deu Jesus sanção à autoridade de Sua igreja organizada, e pôs Saulo em contato com Seus instrumentos apontados na Terra. Cristo tinha agora uma igreja como Sua representante na Terra, e a ela pertencia a obra de dirigir os pecadores arrependidos no caminho da vida.
    Muitos têm a idéia de que são responsáveis somente a Cristo pela luz e experiência que possuem, independente de Seus reconhecidos seguidores na Terra. Jesus é o Amigo dos pecadores, e Seu coração se confrange por seu infortúnio. Ele possui todo o poder, tanto no Céu como na Terra; mas respeita os meios por Ele ordenados para o esclarecimento e salvação dos homens; dirige os pecadores para a igreja por Ele feita instrumento de luz para o mundo.
    Quando, em meio ao seu erro cego e cego preconceito, Saulo recebeu uma revelação de Cristo, a quem estava perseguindo, foi ele colocado em comunicação direta com a igreja, a qual é a luz do mundo. Neste caso, Ananias representa Cristo, como representa também os ministros de Cristo sobre a Terra, os quais são indicados para agir em Seu lugar. No lugar de Cristo, Ananias toca os olhos de Saulo para que este possa receber a vista. Em lugar de Cristo, coloca suas mãos sobre ele, e enquanto ora em nome de Cristo, Saulo recebe o Espírito Santo. Tudo é feito no nome e pela autoridade de Cristo. Cristo é a fonte; a igreja, o canal de comunicação.

Atos dos Apóstolos 015 - Parte A

 

    "E por aquele mesmo tempo o rei Herodes estendeu as mãos sobre alguns da igreja, para os maltratar." Atos 12:1.
    O governo da Judéia estava então nas mãos de Herodes Agripa, súdito de Cláudio, imperador romano. Herodes mantinha também o cargo de tetrarca da Galiléia. Era prosélito professo da fé judaica e, aparentemente, muito zeloso em efetuar as cerimônias da lei judaica. Desejoso de obter o apoio dos judeus, esperando assim confirmar seus cargos e honras, pôs-se a realizar os desejos deles, perseguindo a igreja de Cristo, pilhando as casas e os bens dos crentes e prendendo os membros principais da igreja. Lançou na prisão a Tiago, irmão de João, e mandou um algoz matá-lo à espada, assim como o outro Herodes fizera com que o profeta João fosse degolado. Vendo que os judeus se agradavam muito com essas medidas, prendeu também a Pedro.
    Foi durante a Páscoa que tais crueldades foram praticadas. Enquanto os judeus estavam celebrando seu libertamento do Egito e pretendendo possuir grande zelo pela lei de Deus, estavam ao mesmo tempo transgredindo cada princípio desta lei por perseguir e assassinar os crentes em Cristo.
    A morte de Tiago causou grande dor e consternação entre os crentes. Quando Pedro também foi preso, a igreja toda se empenhou em jejum e oração.
    O ato de Herodes matando a Tiago foi aplaudido entre os judeus, se bem que alguns se queixavam da maneira reservada pela qual foi ele realizado, afirmando que uma execução pública teria de maneira mais completa intimidado os crentes e os que com eles simpatizavam. Herodes, portanto, conservou Pedro em custódia, tencionando satisfazer ainda mais aos judeus pelo espetáculo público de sua morte. Sugeriu-se, porém, que não seria de bom aviso trazer o veterano apóstolo para a execução perante o povo então reunido em Jerusalém. Receava-se que a cena de estar ele sendo levado para morrer pudesse provocar a compaixão da multidão.
    Os sacerdotes e anciãos também temiam que Pedro fizesse um daqueles poderosos apelos que tinham freqüentemente incitado o povo a estudar a vida e caráter de Jesus - apelos esses, que eles, com todos os seus argumentos tinham sido incapazes de contradizer. O zelo de Pedro em advogar a causa de Cristo, tinha levado muitos a assumir sua atitude ao lado do evangelho, e os príncipes temiam que se lhe fosse dada oportunidade para defender sua fé na presença da multidão que viera à cidade para adorar, seu livramento seria exigido das mãos do rei.
    Enquanto, sob vários pretextos, a execução de Pedro estava sendo retardada para depois da páscoa, os membros da igreja tinham tempo para examinar profundamente o coração e orar com fervor. Oravam sem cessar a favor de Pedro, pois achavam que ele não poderia ser dispensado da causa. Compreendiam que haviam chegado a um ponto em que, sem o auxílio especial de Deus, a igreja de Cristo seria destruída.
    Entrementes, adoradores de todas as nações procuravam o templo que havia sido dedicado à adoração de Deus. Resplandecendo em ouro e pedras preciosas, ostentava um aspecto de magnificência e encanto. Mas Jeová não seria mais achado nesse palácio de beleza. Israel, como nação, tinha-se divorciado de Deus. Quando Cristo, perto do fim de Seu ministério terrestre, olhou pela última vez para o interior do templo, disse: "Eis que a vossa casa vai ficar-vos deserta." Mat. 23:38. Até então Ele tinha considerado o templo como a casa de Seu Pai, mas ao deixar o Filho de Deus o interior dessas paredes, a presença de Deus abandonou para sempre o templo construído para Sua glória.
    O dia para a execução de Pedro foi finalmente marcado, mas ainda as orações dos crentes ascendiam ao Céu; e, enquanto todas as suas energias e simpatias eram suscitadas em fervorosos pedidos de auxílio, anjos de Deus estavam a vigiar o apóstolo prisioneiro.
    Lembrando-se do anterior libertamento dos apóstolos da prisão, Herodes tomara desta vez precauções dobradas. Para evitar toda a possibilidade de escape, Pedro tinha sido posto sob o cuidado de dezesseis soldados, que, em diferentes vigílias, o guardavam dia e noite. Em sua cela, fora colocado entre dois soldados, ligado por duas correntes, cada uma presa ao pulso de um dos soldados. Não podia mover-se sem o conhecimento deles. Com as portas da prisão firmemente seguras e uma forte guarda diante delas, toda a possibilidade de livramento ou escape por meios humanos estava excluída. Mas os extremos do homem são a oportunidade de Deus.
    Pedro estava encerrado em uma cela cavada na rocha, cujas portas tinham fortes ferrolhos e barras; e os soldados em guarda ficaram responsabilizados pela custódia do prisioneiro. Mas os ferrolhos e barras, e a guarda romana, que eficazmente removiam toda a possibilidade de auxílio humano, não deveriam senão tornar mais completa a vitória de Deus no livramento de Pedro. Herodes estava a levantar a sua mão contra o Onipotente, e deveria ser totalmente derrotado. Aplicando o Seu poder, Deus estava prestes a salvar a vida preciosa cuja destruição estavam os judeus tramando.
    Era a última noite antes da tencionada execução. É enviado do Céu um poderoso anjo para libertar Pedro. As vigorosas portas que encerravam o santo de Deus abrem-se sem auxílio de mãos humanas. O anjo do Altíssimo por elas penetra, fechando-se as portas sem ruído por trás dele. Ele entra na cela, e ali está Pedro, dormindo tranqüilamente o sono de uma perfeita confiança.
    A luz que circunda o anjo enche a cela, mas não desperta o apóstolo. Só quando ele sente o toque da mão do anjo e ouve uma voz dizendo: "Levanta-te depressa", (Atos 12:7) acorda o suficiente para ver a cela iluminada pela celeste luz, e um anjo de grande glória, em pé diante dele. Maquinalmente obedece à ordem que lhe é dada e, como ao se levantar erguesse as mãos, torna-se meio consciente de que as cadeias lhe caíram dos pulsos.
    De novo lhe ordena a voz do mensageiro celestial: "Cinge-te, e ata as tuas alparcas" (Atos 12:8), e de novo Pedro maquinalmente obedece, conservando o admirado olhar voltado para o visitante, e crendo estar sonhando ou em visão. Mais uma vez o anjo ordena: "Lança às costas a tua capa, e segue-me." Ele se move em direção à porta, seguido por Pedro, usualmente loquaz, agora mudo de espanto. Passam pela guarda e chegam à porta, pesadamente aferrolhada, que por si mesma se abre, e imediatamente se fecha de novo, enquanto os guardas dentro e fora estão imóveis em seu posto.
    Alcançam a segunda porta, também guardada por dentro e por fora. Abre-se, como o fez a primeira, sem ranger de dobradiças ou ruído dos fechos de ferro. Passam por ela e novamente se fecha também sem ruído. De modo idêntico passam pela terceira porta, e acham-se em plena rua. Não se troca uma palavra; não há ruído de passos. O anjo se move suavemente diante de Pedro, cercado de uma luz de deslumbrante brilho, e Pedro, desorientado, e julgando-se ainda em sonho, segue o seu libertador. Assim eles percorrem uma rua, e então, estando cumprida a missão do anjo, desaparece ele subitamente.Dissipou-se a luz celestial, e a Pedro pareceu achar-se em profundas trevas; mas, acostumando-se-lhe os olhos,
pareceram elas diminuir gradualmente, e ele se encontrou só na rua silenciosa, com o ar fresco da noite a soprar-lhe no rosto.   Compreendeu então que estava livre, em uma parte da cidade que lhe era familiar; reconheceu o lugar como sendo um que freqüentara muitas vezes, e por onde esperara passar no dia seguinte pela última vez. Procurou rememorar os fatos dos últimos poucos momentos. Lembrou-se de ter adormecido, ligado entre dois soldados, com as sandálias e vestes exteriores removidas. Examinou sua pessoa e achou-se completamente vestido e cingido. Seus pulsos, inchados pela pressão dos ferros cruéis, estavam livres das algemas. Compenetrou-se de que sua liberdade não era engano, sonho ou visão, mas bendita realidade. No dia seguinte deveria ser levado para morrer; mas, eis, um anjo o livrara da prisão e da morte. "E Pedro, tornando a si, disse: Agora sei verdadeiramente que o Senhor enviou o Seu anjo, e me livrou da mão de Herodes, e de tudo que o povo dos judeus esperava." Atos 12:11.
    O apóstolo se encaminhou de pronto à casa onde seus irmãos estavam reunidos, e onde naquele momento se encontravam em oração fervorosa por ele. "E batendo Pedro à porta do pátio, uma menina chamada Rode saiu a escutar; e, conhecendo a voz de Pedro, de gozo não abriu a porta, mas, correndo para dentro, anunciou que Pedro estava à porta. E disseram-lhe: Estás fora de ti. Mas ela afirmava que assim era. E diziam: É o seu anjo." Atos 12:13-15.
"Mas Pedro perseverava em bater, e, quando abriram, viram-no e se espantaram. E, acenando-lhes ele com a mão para que se calassem, contou-lhes como o Senhor o tirara da prisão." E Pedro, "saindo, partiu para outro lugar". Atos 12:16 e 17. Alegria e louvor encheram o coração dos crentes porque Deus ouvira e atendera as suas orações, e libertara Pedro das mãos de Herodes.
    Pela manhã uma grande multidão se reuniu para presenciar a execução do apóstolo. Herodes enviou oficiais à prisão para buscarem a Pedro, que devia ser trazido com grande aparato de guardas e armas, não apenas para se evitar possível fuga, como também para intimidar os simpatizantes e mostrar o poder do rei.
    Quando os guardas diante da porta verificaram que Pedro tinha escapado, foram possuídos de terror. Tinha sido expressamente declarado que a vida deles responderia pela do prisioneiro; e por isso haviam eles estado especialmente vigilantes. Quando os oficiais vieram buscar a Pedro, os soldados estavam ainda guardando a porta da prisão, os ferrolhos e barras ainda intactos, as cadeias presas aos pulsos dos dois soldados mas o prisioneiro havia escapado.
    Quando foi trazida a Herodes a notícia de que Pedro escapara, ele ficou exasperado e enraivecido. Acusando a guarda da prisão de infidelidade, ordenou que fossem mortos. Herodes sabia que poder humano algum havia livrado a Pedro, mas estava decidido a não reconhecer que um poder divino lhe frustrara o desígnio, e pôs-se em ousado desafio a Deus.
   Não muito tempo depois do livramento de Pedro da prisão, Herodes foi a Cesaréia. Enquanto ali se achava fez uma grande festa, destinada a provocar admiração e ganhar aplausos do povo. Compareceram à festa os amantes do prazer de todas as regiões, e houve muita glutonaria e bebedice. Com grande pompa e cerimônia Herodes apareceu diante do povo e se lhes dirigiu em eloqüente discurso. Vestido em roupas cintilantes de prata e ouro, em que os raios do Sol refletindo em suas luminosas dobras deslumbravam os olhos dos que o contemplavam, constituía ele uma figura magnífica. A majestade de sua aparência e a força de sua linguagem bem escolhida dominavam a assembléia com grande poder. Estando já seus sentidos pervertidos pelo beber e banquetear-se, ficaram deslumbrados pela ornamentação de Herodes, e encantados pelo seu porte e oratória; e, desenfreados pelo entusiasmo, cumulavam-no de lisonja, declarando que nenhum mortal poderia apresentar igual aparência, ou possuir eloqüência tão surpreendente. Declararam mais que, conquanto o houvessem sempre respeitado como governador, dali em diante o adorariam como a um deus.
    Alguns daqueles cujas vozes agora eram ouvidas a glorificar um vil pecador, fazia poucos anos haviam levantado o grito frenético: Fora com Jesus! Crucifica-O, crucifica-O! Os judeus tinham-se recusado a receber a Cristo, cujas vestes, toscas e muitas vezes sujas pelas viagens, cobriam um coração de amor divino. Seus olhos não podiam discernir, sob o humilde exterior, o Senhor da vida e da glória, embora o poder de Cristo fosse revelado diante deles em obras que nenhum mero homem poderia fazer. Estavam, porém, prontos a adorar como a um deus, o altivo rei, cujas esplêndidas vestes de prata e ouro cobriam um coração corrupto e cruel. Herodes sabia que não merecia nenhum dos louvores e homenagens que lhe eram tributados, todavia aceitou a idolatria do povo como se lhes fosse devida. Seu coração saltou de triunfo e um lampejo de orgulho satisfeito espalhou-se-lhe pelo rosto ao ouvir a aclamação: "Voz de deus, e não de homem." Atos 12:22.
    Subitamente, porém, sobreveio-lhe uma terrível mudança. Seu rosto se tornou pálido como a morte e contorcido pela agonia. Grandes gotas de suor lhe brotaram dos poros. Ficou por um momento como que traspassado de dor e terror; então, volvendo a face branqueada e lívida para seus amigos tomados de horror, exclamou em tom rouco e desesperado: Aquele que exaltastes como um deus, é ferido de morte!
    Sofrendo a mais cruciante angústia, foi retirado daquela cena de orgia e ostentação. Um momento antes ele tinha sido o alvo orgulhoso do louvor e adoração daquela vasta multidão; agora se compenetra de que se acha nas mãos de um Governador mais poderoso do que ele próprio. Remorsos o apanham: lembra-se de sua implacável perseguição aos seguidores de Cristo; lembra-se de sua ordem cruel para matar o inocente Tiago, e seu intento de tirar a vida ao apóstolo Pedro; recorda-se de como em seu desgosto e decepcionada raiva tirara uma injusta desforra dos guardas da prisão. Sentia que agora Deus estava a tratar com ele, o implacável perseguidor. Não encontrava alívio para a dor do corpo nem para a angústia do espírito, e nem esperava encontrar.
    Herodes conhecia a lei de Deus, que diz: "Não terás outros deuses diante de Mim" (Êxo. 20:3); e sabia que, aceitando a adoração do povo, enchera a medida de sua iniqüidade e acarretara sobre si a justa ira de Jeová.
    O mesmo anjo que viera dos palácios reais para libertar a Pedro, fora o mensageiro da ira e juízo a Herodes. O anjo tocou em Pedro para o despertar do sono; foi com um contato diferente que ele feriu o ímpio rei, derribando seu orgulho e trazendo sobre ele o castigo do Todo-poderoso. Herodes morreu em grande angústia de espírito e corpo, sob o juízo retributivo de Deus.
    Esta demonstração de justiça divina teve uma influência poderosa sobre o povo. As novas de que o apóstolo de Cristo fora miraculosamente liberto da prisão e da morte, enquanto seu perseguidor fora atingido pela maldição de Deus, foram levadas a todos os países, e vieram a ser o meio para se levarem muitos a crer em Cristo.
   

 

 

Page 3 of 7

Veja Mais dados Novos Conteúdos