Atos dos Apóstolos



    Após a ascensão de Cristo, João permaneceu como fiel e ardoroso obreiro do Mestre. Juntamente com os demais discípulos fruiu o derramamento do Espírito no dia do Pentecoste, e com novo zelo e poder continuou a falar ao povo as palavras da vida, procurando levar seus pensamentos para o invisível. Era um pregador de poder, fervente e profundamente sincero. Em bela linguagem e voz musical, falou das palavras e obras de Cristo, expressando-se de maneira a impressionar o coração dos que o ouviam. A simplicidade de suas palavras, o sublime poder das verdades proferidas e o fervor que lhe caracterizava os ensinos, deram-lhe acesso a todas as classes.
    A vida do apóstolo estava em harmonia com seus ensinos. O amor de Cristo que ardia em seu coração, induziu-o a empenhar-se em fervoroso e incansável labor por seus semelhantes, especialmente por seus irmãos na igreja cristã.
    Cristo ordenara aos primeiros discípulos amarem-se uns aos outros como Ele os amara a eles. Assim deviam dar testemunho ao mundo de que Cristo estava formado neles, a esperança da glória. "Um novo mandamento vos dou", disse Ele, "que vos ameis uns aos outros." João 13:34. Ao tempo em que essas palavras foram pronunciadas, os discípulos não as puderam compreender; mas depois de haverem testemunhado os sofrimentos de Cristo, depois de Sua crucificação, ressurreição e ascensão ao Céu, e após haver o Espírito Santo repousado sobre eles no dia do Pentecoste, tiveram mais clara compreensão do amor de Deus, e da natureza desse amor que deviam possuir uns pelos outros. Então pôde João dizer a seus condiscípulos:
"Conhecemos a caridade nisto: que Ele deu a Sua vida por nós, e nós devemos dar a vida pelos irmãos." I João 3:16.
    Depois da descida do Espírito Santo, quando os discípulos saíram para proclamar um Salvador vivo, seu único desejo era a salvação de almas. Rejubilavam-se na doçura da comunhão com os santos. Eram ternos, prestativos, abnegados, voluntários em fazer qualquer sacrifício pelo amor da verdade. Em seu contato diário entre si, revelavam aquele amor que Cristo lhes ordenara. Por palavras e obras de altruísmo, procuravam acender este amor em outros corações.
    Um tal amor deviam os crentes sempre acariciar. Deviam proceder em obediência voluntária ao novo mandamento. Tão intimamente deviam estar unidos com Cristo que pudessem estar habilitados a cumprir todos os seus reclamos. Sua vida devia magnificar o poder de um Salvador que poderia justificá-los por Sua justiça.
    Mas gradualmente se operou uma mudança. Os crentes começaram a olhar os defeitos uns dos outros. Demorando-se sobre os erros, dando lugar a inamistoso criticismo, perderam de vista o Salvador e Seu amor. Tornaram-se mais estritos na observância de cerimônias exteriores, mais estritos no tocante à teoria que à prática da fé. Em seu zelo para condenar a outros, passavam por alto seus próprios erros. Perderam o amor fraternal que Cristo lhes ordenara, e, o que é mais triste, não tinham consciência dessa perda. Não reconheceram que a felicidade e a alegria lhes estavam abandonando a vida, e que, havendo excluído o amor de Deus do coração, estariam logo andando em trevas.
    João, sentindo que o amor fraternal estava diminuindo na igreja, insistiu com os crentes sobre a constante necessidade deste amor. Suas cartas à igreja estão repletas deste pensamento. "Amados", escreveu, "amemo-nos uns aos outros; porque a caridade é de Deus; e qualquer que ama é nascido de Deus e conhece a Deus. Aquele que não ama não conhece a Deus; porque Deus é caridade. Nisto se manifestou a caridade de Deus para conosco: que Deus enviou Seu Filho unigênito ao mundo, para que por Ele vivamos. Nisto está a caridade, não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que Ele nos amou a nós, e enviou Seu Filho para propiciação pelos nossos pecados. Amados, se Deus assim nos amou, também nos devemos amar uns aos outros." I João 4:7-11.
    Sobre o sentido especial em que este amor deveria ser manifestado pelos crentes, escreve o apóstolo: "Outra vez vos escrevo um mandamento novo, que é verdadeiro nEle e em vós; porque vão passando as trevas, e já a verdadeira luz alumia. Aquele que diz que está na luz, e aborrece a seu irmão, até agora está em trevas. Aquele que ama a seu irmão está na luz, e nele não há escândalo. Mas aquele que aborrece a seu irmão está em trevas, e anda em trevas, e não sabe para onde deva ir; porque as trevas lhe cegaram os olhos." I João 2:8-11. "Porque esta é a mensagem que ouvimos desde o princípio: que nos amemos uns aos outros." I João 1:5. "Quem não ama a seu irmão permanece na morte. Qualquer que aborrece a seu irmão é homicida. E vós sabeis que nenhum homicida tem permanecente nele a vida eterna. Conhecemos a caridade nisto: que Ele deu a Sua vida por nós, e nós devemos dar a vida pelos irmãos." I João 3:14-16.
    Não é a oposição do mundo o que mais ameaça a igreja de Cristo. E o mal abrigado no coração dos crentes que acarreta suas mais graves derrotas, e mais seguramente retarda o progresso da causa de Deus. Não há maneira mais certa de debilitar a espiritualidade que acariciar a inveja, a suspeita, a crítica e as vis desconfianças. Por outro lado, o mais forte testemunho de haver Deus enviado Seu Filho ao mundo é a existência de harmonia e união entre os homens de variados temperamentos que compõem Sua igreja. É privilégio dos seguidores de Cristo dar este testemunho. Mas para isto fazer, precisam colocar-se sob o comando de Cristo. O caráter deles precisa conformar-se ao Seu caráter, e a vontade deles à Sua vontade.
    "Um novo mandamento vos dou", disse Cristo, "que vos ameis uns aos outros; como Eu vos amei a vós, que também vós uns aos outros vos ameis." João 13:34. Que maravilhosa afirmação; mas oh! quão pouco praticada! O amor fraternal está tristemente faltando na igreja de Deus hoje em dia. Muitos que professam amar o Salvador não se amam uns aos outros. Os incrédulos estão observando para ver se a fé dos professos cristãos está exercendo sobre sua vida uma influência santificadora; e eles são ligeiros em discernir os efeitos no caráter, as inconsistências na ação. Não permitam os cristãos ao inimigo apontá-los e dizer: Vede como esse povo, permanecendo sob a bandeira de Cristo odeiam uns aos outros. Os cristãos são todos membros de uma família, filhos todos do mesmo Pai celestial, com a mesma bendita esperança da imortalidade. Muito íntimo e terno deve ser o laço que os une.
    O amor divino faz seus mais tocantes apelos ao coração quando requer que manifestemos a mesma terna compaixão que Cristo manifestou. Somente o homem que tem no coração amor altruísta por seus irmãos, tem verdadeiro amor a Deus. O verdadeiro cristão não permitirá voluntariamente que a alma em perigo e necessidade prossiga sem advertência e sem ajuda. Ele não se esquivará dos que estão em erro, deixando-os abismarem-se na infelicidade e no desencorajamento, ou caírem no campo de batalha de Satanás.
    Os que nunca experimentaram o amor terno e cativante de Cristo não podem guiar outros à fonte da vida. Seu amor no coração é um poder que constrange e que leva os homens a revelarem-nO na conversação, no espírito misericordioso e terno, no reerguimento da vida daqueles com quem se associam. Para ter êxito em seus esforços devem os obreiros cristãos conhecer a Cristo; e para conhecê-Lo, precisam conhecer Seu amor. No Céu sua aptidão como obreiros é medida por sua habilidade em amar como Cristo amou e trabalhar como Ele trabalhou.
    "Não amemos de palavra, nem de língua, mas por obra e em verdade" (I João 3:18), escreveu o apóstolo. Atinge-se a plenitude do caráter de Cristo quando o impulso para auxiliar e abençoar a outros brota constantemente do íntimo. É a atmosfera desse amor circundando a alma do crente que o torna um cheiro de vida para vida, e permite que Deus lhe abençoe o serviço.
    Supremo amor por Deus e desinteressado amor mútuo - eis o melhor dom que nosso Pai celestial pode conceder. Este amor não é um impulso, mas um princípio divino, um poder permanente. O coração não consagrado não o pode criar ou produzir. Ele somente é achado no coração em que Jesus reina. "Nós O amamos a Ele porque Ele nos amou primeiro." I João 4:19. No coração renovado pela graça divina, o amor é o princípio que regula a ação. Ele modifica o caráter, governa os impulsos, controla as paixões e enobrece as afeições. Este amor, acariciado na alma, ameniza a vida e derrama influência enobrecedora ao redor.
    João procurou levar os crentes a compreender os elevados privilégios que lhes adviriam mediante o exercitarem o espírito de amor. Este poder redentor, enchendo o coração, controlará todos os outros motivos, e colocará seus possuidores acima das influências corruptoras do mundo. E à medida que a este amor for permitido agir amplamente e tornar-se o motivo impelente na vida, sua esperança e confiança em Deus e Seu trato para com eles seriam completos. Poderiam então vir a Ele em plena confiança de fé, sabendo que receberiam dEle tudo quanto fosse necessário para o seu bem presente e eterno. "Nisto é perfeita a caridade para conosco", escreveu ele, "para que no dia do juízo tenhamos confiança; porque, qual Ele é, somos nós também neste mundo. Na caridade não há temor, antes a perfeita caridade lança fora o temor." I João 4:17 e 18. "E esta é a confiança que temos nEle, que, se pedirmos alguma coisa, segundo a Sua vontade, ele nos ouve. E... sabemos que alcançamos as petições que Lhe fizemos." I João 5:14 e 15.
    "E, se alguém pecar, temos um advogado para com o Pai, Jesus Cristo, o justo. E Ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo." I João 2:1 e 2. "Se confessarmos os nossos pecados, Ele é fiel e justo, para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda a injustiça." I João 1:9. As condições para se alcançar misericórdia de Deus são simples e razoáveis. O Senhor não requer que façamos alguma coisa penosa para alcançarmos perdão. Não precisamos fazer longas e exaustivas peregrinações ou praticar dolorosas penitências para encomendar nossa alma ao Deus do Céu ou expiar nossa transgressão. Aquele que "confessa e deixa" os seus pecados "alcançará misericórdia". Prov. 28:13.
    Nos tribunais do Céu, Cristo está a interceder por Sua igreja - advogando a causa daqueles cujo preço de redenção Ele pagou com o Seu próprio sangue. Séculos e eras nunca poderão diminuir a eficácia de Seu sacrifício expiatório. Nem a morte, nem a vida, altura ou profundidade, nada nos poderá separar do amor de Deus que está em Cristo Jesus; não porque a Ele nos apeguemos com firmeza, mas porque Ele nos segura com Sua forte mão. Se nossa salvação dependesse de nossos próprios esforços não nos poderíamos salvar; mas ela depende de Alguém que está por trás de todas as promessas. Nosso apego a Ele pode ser débil, mas Seu amor é como de um irmão mais velho; enquanto nos mantivermos em união com Ele, ninguém nos pode arrancar de Sua mão.
Enquanto os anos passavam e o número dos crentes aumentava, João trabalhava pelos irmãos com crescente fidelidade e devotamento. Os tempos eram cheios de perigo para a igreja. Enganos satânicos existiam por toda parte. Por meio de adulteração e falsificação os emissários de Satanás buscavam suscitar oposição às doutrinas de Cristo; e como conseqüência disso, dissensões e heresias estavam pondo em perigo a igreja. Alguns que professavam a Cristo pretendiam que Seu amor os libertara da obediência à lei de Deus. Por outro lado muitos ensinavam que era necessário observar os costumes e cerimônias judaicos; que a mera observância da lei, sem fé no sangue de Cristo, era suficiente para a salvação. Outros mantinham que Cristo fora um homem bom, mas negavam Sua divindade. Alguns que simulavam ser leais à causa de Deus, eram enganadores, e na prática negavam a Cristo e Seu evangelho. Vivendo eles mesmos em transgressão, introduziam heresias na igreja. Muitos eram assim levados a um labirinto de ceticismo e engano.
    João enchia-se de tristeza ao ver surgirem na igreja esses venenosos erros. Viu os perigos a que a igreja seria exposta, e enfrentou a emergência com prontidão e decisão. As epístolas de João respiram o espírito de amor. É assim como se ele escrevesse com a pena molhada no amor. Mas quando entrou em contato com os que estavam a quebrar a lei de Deus, embora declarando estar vivendo sem pecado, não hesitou em adverti-los de seu perigoso engano.
    Escrevendo a uma auxiliar na obra do evangelho, uma mulher de boa reputação e grande influência, disse ele: "Já muitos enganadores entraram no mundo, os quais não confessam que Jesus Cristo veio em carne. Este tal é o enganador e o anticristo. Olhai por vós mesmos, para que não percamos o que temos ganho, antes recebamos o inteiro galardão. Todo aquele que prevarica, e não persevera na doutrina de Cristo, não tem a Deus; quem persevera na doutrina de Cristo, esse tem tanto ao Pai como ao Filho. Se alguém vem ter convosco, e não traz esta doutrina, não o recebais em casa, nem tão pouco o saudeis. Porque quem o saúda tem parte nas suas más obras." II João 1:7-11.
    Estamos autorizados a ter na mesma consideração indicada pelo discípulo amado os que alegam permanecer em Cristo ao mesmo tempo que vivem em transgressão da lei de Deus. Existem nestes últimos dias males semelhantes àqueles que ameaçavam a prosperidade da igreja primitiva; e os ensinos do apóstolo João sobre estes pontos deveriam ser cuidadosamente considerados. "Necessitais mostrar caridade", é o clamor que se ouve em todos os lugares, principalmente da parte daqueles que professam santificação. Mas a verdadeira caridade é demasiado pura para acobertar um pecado inconfessado. Conquanto devamos amar as almas por quem Cristo morreu, não nos devemos comprometer com o mal. Não nos podemos unir aos rebeldes e chamar a isto caridade. Deus requer de Seu povo nesta fase do mundo que permaneça firme pelo direito tanto quanto João, em oposição aos erros que arruínam a alma.
    O apóstolo ensina que embora devamos manifestar cortesia cristã, estamos autorizados a tratar em termos claros com o pecado e os pecadores; que isto não está em desarmonia com a verdadeira caridade. "Qualquer que comete pecado", escreve ele, "também comete iniqüidade; porque o pecado é iniqüidade. E bem sabeis que Ele Se manifestou para tirar os nossos pecados; e nEle não há pecado. Qualquer que permanece nEle não peca; qualquer que peca não O viu nem O conheceu." I João 3:4-6.
    Como testemunha de Cristo, João não se empenhou em controvérsia ou em fastidiosos debates. Declarou o que sabia, o que tinha visto e ouvido. Havia estado intimamente relacionado com Cristo, tinha-Lhe ouvido os ensinos, testemunhado Seus poderosos milagres. Poucos puderam, como João, ver as belezas do caráter de Cristo. Para ele as trevas tinham passado; brilhava a verdadeira luz. Seu testemunho com respeito à vida e morte do Salvador era claro e penetrante. Da abundância que havia no coração brotava o amor pelo Salvador enquanto ele falava; e poder algum lhe podia impedir as palavras.
    "O que era desde o princípio", declarou, "o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que temos contemplado, e as nossas mãos tocaram da Palavra da vida; ... o que vimos e ouvimos, isso vos anunciamos, para que também tenhais comunhão conosco; e a nossa comunhão é com o Pai, e com Seu Filho Jesus Cristo." I João 1:1 e 3.
    Assim pode estar todo verdadeiro crente habilitado, através de sua própria experiência, a confirmar "que Deus é verdadeiro". João 3:33. Pode dar testemunho daquilo que viu, ouviu e sentiu do poder de Cristo.

Atos dos Apóstolos 55 - Transformado Pela Graça - O que é  Santificação? A Santificação deve fazer parte da minha vida?Como?



    Na vida do discípulo João é exemplificada a verdadeira santificação. Durante os anos de sua íntima relação com Cristo foi ele muitas vezes advertido e admoestado pelo Salvador; e aceitou essas repreensões. Quando o caráter do Ser divino lhe foi manifestado, João viu suas próprias deficiências, e foi feito humilde pela revelação. Dia a dia, em contraste com seu próprio espírito violento, ele observava a ternura e longanimidade de Jesus e ouvia-Lhe as lições de humildade
e paciência. Dia a dia seu coração era atraído para Cristo, até que perdeu de vista o próprio eu no amor pelo Mestre. O poder e ternura, a majestade e brandura, o vigor e a paciência que ele via na vida diária do Filho de Deus, encheram-lhe a alma de admiração. Ele submeteu seu temperamento ambicioso e vingativo ao modelador poder de Cristo, e o divino amor operou nele a transformação do caráter.
    Em evidente contraste com a santificação operada na vida de João está a experiência de seu condiscípulo Judas. Como João, Judas professava ser discípulo de Cristo, mas possuía apenas uma aparência de piedade. Ele não era insensível à beleza do caráter de Cristo; e muitas vezes, ao ouvir as palavras do Salvador, vinha-lhe a convicção, mas ele não humilhava o coração nem confessava seus pecados. Resistindo à divina influência desonrou o Mestre a quem professava amar.   João guerreou ferozmente contra suas faltas; mas Judas violava a consciência e cedia à tentação, mais se lhe robustecendo os hábitos do mal. A prática das verdades que Cristo ensinava não correspondia a seus desejos e propósitos, e ele não podia renunciar a suas idéias para receber sabedoria do Céu. Em lugar de andar na luz, escolheu caminhar nas trevas. Os maus desejos, a cobiça, as paixões vingativas, os pensamentos soturnos, tenebrosos, foram acariciados até que Satanás alcançou sobre ele pleno controle.
    João e Judas representam aqueles que professam ser seguidores de Cristo. Ambos esses discípulos tiveram as mesmas oportunidades de estudar e seguir o divino Modelo. Ambos estiveram intimamente ligados a Jesus e experimentaram o mesmo privilégio de ouvir-Lhe os ensinos. Ambos possuíam sérios defeitos de caráter; e ambos tiveram acesso à divina graça que transforma o caráter. Mas ao passo que um em humilhação estava aprendendo de Jesus, o outro revelava não ser cumpridor da Palavra, mas ouvinte apenas. Um, morrendo diariamente para o eu e vencendo o pecado, era santificado pela verdade; o outro, resistindo ao poder transformador da graça e condescendendo com desejos egoístas, era levado para a escravidão de Satanás.
    Uma transformação de caráter como a que se vê na vida de João é sempre o resultado da comunhão com Cristo. Pode haver marcados defeitos na vida de um indivíduo; contudo, quando ele se torna um verdadeiro discípulo de Cristo, o poder da divina graça transforma-o e santifica-o. Contemplando como num espelho a glória do Senhor, é transformado de glória em glória, até alcançar a semelhança dAquele a quem adora.
    João ensinava a santidade, e em suas cartas à igreja estabeleceu regras infalíveis para a conduta do cristão. "E qualquer que nEle tem esta esperança", escreveu, "purifica-se a si mesmo, como também Ele é puro." I João 3:3. "Aquele que diz que está nEle, também deve andar como Ele andou." I João 2:6. Ele ensinava que o cristão precisa ser puro de coração e de vida. Jamais deverá satisfazer-se com uma profissão vazia. Como Deus é santo em Sua esfera, assim deve o homem caído, mediante fé em Cristo, ser santo na sua.
    "Esta é a vontade de Deus", escreve o apóstolo Paulo, "a vossa santificação." I Tess. 4:3. Em todo o Seu trato com o Seu povo, o objetivo de Deus é a santificação da igreja. Ele os escolheu desde a eternidade, para que fossem santos. Deu-lhes Seu Filho para morrer por eles, a fim de que pudessem ser santificados pela obediência à verdade, despidos de toda a mesquinhez do eu. Deles requer trabalho pessoal e pessoal entrega. Deus só pode ser honrado pelos que professam crer nEle, quando são conformes à Sua imagem e controlados por Seu Espírito. Então, como testemunhas do Salvador podem tornar conhecido o que a graça divina fez por eles.
    A verdadeira santificação vem por meio da operação do princípio do amor. "Deus é caridade; e quem está em caridade está em Deus, e Deus nele." I João 4:16. A vida daquele em cujo coração Cristo habita, revelará a piedade prática. O caráter será purificado, elevado, enobrecido e glorificado. A doutrina pura estará entretecida com as obras de justiça; os preceitos celestiais misturar-se-ão com as práticas santas.
    Os que desejam alcançar a bênção da santificação têm de primeiro aprender o que seja a abnegação. A cruz de Cristo é a coluna central sobre que repousa o "peso eterno de glória mui excelente". II Cor. 4:17. "Se alguém quiser vir após Mim", disse Jesus, "renuncie-se a si mesmo, tome sobre si a sua cruz, e siga-Me." Mat. 16:24. É o perfume de nosso amor aos semelhantes o que revela nosso amor a Deus. É a paciência no serviço, o que traz repouso à alma. E pelo humilde, diligente e fiel labor que se promove o bem-estar de Israel. Deus sustém e fortalece aquele que está disposto a seguir o caminho de Cristo.
    A santificação não é obra de um momento, de uma hora, de um dia, mas dá vida toda. Não se alcança com um feliz vôo dos sentimentos, mas é o resultado de morrer constantemente para o pecado, e viver constantemente para Cristo. Não se podem corrigir os erros nem apresentar reforma de caráter por meio de esforços débeis e intermitentes. Só podemos vencer mediante longos e perseverantes esforços, severa disciplina e rigoroso conflito. Não sabemos quão terrível será nossa luta no dia seguinte. Enquanto reinar Satanás, teremos de subjugar o próprio eu e vencer os pecados que nos assaltam; enquanto durar a vida não haverá ocasião de repouso, nenhum ponto a que possamos atingir e dizer: "Alcancei tudo completamente." A santificação é o resultado de uma obediência que dura a vida toda.
    Nenhum dos apóstolos e profetas declarou jamais estar sem pecado. Homens que viveram o mais próximo de Deus, que sacrificariam a vida de preferência a cometer conscientemente um ato mau, homens a quem Deus honrou com divina luz e poder, confessaram a pecaminosidade de sua natureza. Eles não puseram a sua confiança na carne, nem alegaram possuir justiça própria, mas confiaram inteiramente na justiça de Cristo.
    Assim será com todos que contemplam a Cristo. Quanto mais nos aproximarmos de Jesus, e quanto mais claramente distinguirmos a pureza de Seu caráter, tanto mais claro veremos a excessiva malignidade do pecado, e tanto menos nutriremos o desejo de nos exaltar a nós mesmos. Haverá um contínuo anelo da alma em direção a Deus, uma contínua, sincera, contrita confissão de pecado e humilhação do coração perante Ele. A cada passo para a frente em nossa experiência cristã, nosso arrependimento se aprofundará. Saberemos que nossa suficiência está em Cristo unicamente, e faremos nossa própria a confissão do apóstolo: "Eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum." Rom. 7:18. "Mas longe esteja de mim gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo." Gál. 6:14.
    Que os anjos relatores escrevam a história das santas lutas e pelejas do povo de Deus; que anotem as orações e lágrimas; mas não permitamos que Deus seja desonrado pela declaração de lábios humanos: "Estou sem pecado; Sou santo." Lábios santificados nunca pronunciarão palavras de tanta presunção.
    O apóstolo Paulo havia sido arrebatado até o terceiro Céu, e tinha visto e ouvido coisas que não poderiam ser proferidas; contudo, sua humilde afirmação é: "Não que já a tenha alcançado, ou que seja perfeito; mas prossigo." Filip. 3:12. Que os anjos do Céu escrevam as vitórias de Paulo ao combater o bom combate da fé. Que o Céu se rejubile em sua marcha firme rumo do Céu e que, ao manter ele em vista o prêmio, considere tudo o mais como escória. Os anjos se regozijam ao contar seus triunfos, mas Paulo mesmo não se vangloria de suas conquistas. A atitude de Paulo é a atitude que cada seguidor de Cristo deveria tomar ao prosseguir na luta pela coroa imortal.
    Que os que se sentem inclinados a fazer alta profissão de santidade se contemplem no espelho da lei de Deus. Ao verem o vasto alcance de seus reclamos, e compreenderem que ela opera como perscrutadora dos pensamentos e intenções do coração, não se presumirão de estar sem pecado. "Se dissermos que não temos pecado", diz João não se excluindo de seus irmãos, "enganamo-nos a nós mesmos, e não há verdade em nós." "Se dissermos que não pecamos, fazemo-Lo mentiroso, e a Sua palavra não está em nós." "Se confessarmos os nossos pecados, Ele é fiel e justo, para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda a injustiça." I João 1:8, 10 e 9.
    Há os que professam possuir santidade, que se declaram santos do Senhor, que reclamam como um direito a promessa de Deus, ao mesmo tempo que recusam obediência aos mandamentos de Deus. Esses transgressores da lei reclamam tudo quanto é prometido aos filhos de Deus; mas isto é presunção da parte deles, pois João nos diz que o verdadeiro amor a Deus se revelará na obediência a todos os Seus mandamentos. Não basta crer na teoria da verdade, fazer uma profissão de fé em Cristo, crer que Jesus não é um impostor, e que a religião da Bíblia não é uma fábula artificialmente composta. "Aquele que diz: Eu conheço-O", escreveu João, "e não guarda os Seus mandamentos, é mentiroso, e nele não está a verdade. Mas qualquer que guarda a Sua palavra, o amor de Deus está nele verdadeiramente aperfeiçoado: nisto conhecemos que estamos nEle." I João 2:4 e 5. "Aquele que guarda os Seus mandamentos nEle está, e Ele nele." I João 3:24.
    João não ensinou que a salvação devia ser adquirida pela obediência, mas que a obediência é fruto da fé e do amor. "E bem sabeis que Ele Se manifestou para tirar os nossos pecados", disse, "e nEle não há pecado. Qualquer que permanece nEle não peca; qualquer que peca não O viu nem O conheceu." I João 3:5 e 6. Se estivermos em Cristo, se o amor de Deus estiver no coração, nossos sentimentos, pensamentos e ações estarão em harmonia com a vontade de Deus. O coração santificado está em harmonia com os preceitos da lei de Deus.
    Muitos há que, embora procurando obedecer aos mandamentos de Deus, têm pouca paz ou alegria. Esta falha em sua experiência é o resultado da falta de exercitar a fé. Andam como se pisassem uma terra salina, um ressequido deserto. Pedem pouco, quando deviam pedir muito, pois não há limite para as promessas de Deus.
    Tais pessoas não representam corretamente a santificação que vem mediante a obediência à verdade. O Senhor quer que todos os Seus filhos e filhas sejam felizes, obedientes e desfrutem paz. Mediante o exercício da fé o crente toma posse dessas bênçãos. Pela fé, cada deficiência de caráter pode ser suprida, cada contaminação purificada, cada falta corrigida e toda boa qualidade desenvolvida.
    A oração é ordenada pelo Céu como meio de alcançar êxito no conflito com o pecado e no desenvolvimento do caráter cristão. As influências divinas que vêm em resposta à oração da fé produzirão na alma do suplicante tudo o que ele pleiteia. Podemos pedir o perdão do pecado, o Espírito Santo, a natureza cristã, sabedoria e fortaleza para Sua obra, todos os dons, enfim, que Ele prometeu, e a promessa é: "Recebereis."
    Foi no monte com Deus que Moisés contemplou o modelo da maravilhosa construção que devia ser o lugar de habitação da glória do Senhor. É no monte com Deus - no lugar secreto da comunhão - que devemos contemplar Seu glorioso ideal para a humanidade. Em todas as eras, por meio de comunicação com o Céu, Deus tem realizado Seu propósito por Seus filhos pelo gradual desdobrar em seu espírito das doutrinas da graça. Sua maneira de repartir a verdade é ilustrada nas palavras: "Como a alva será a Sua saída." Osé. 6:3. Aquele que se coloca onde Deus o pode iluminar, avança, por assim dizer, da obscuridade parcial da aurora para o pleno brilho do meio-dia.
    A verdadeira santificação significa perfeito amor, perfeita obediência, perfeita conformidade com a vontade de Deus. Devemos santificar-nos para Deus mediante a obediência à verdade. Nossa consciência deve ser expurgada das obras mortas para servir ao Deus vivo. Não somos ainda perfeitos; mas é nosso privilégio desvencilharmo-nos dos obstáculos do eu e do pecado e prosseguir para a perfeição. Grandes possibilidades, altas e santas conquistas são colocadas ao alcance de todos.
    A razão por que muitos nesta época não fazem maiores progressos na vida religiosa é interpretarem a vontade divina como sendo apenas o que eles gostariam de fazer. Presumem de estar em conformidade com a vontade de Deus, quando na verdade estão seguindo seus próprios desejos. Esses não têm conflito com o eu. Há outros que por algum tempo são bem-sucedidos na luta contra seus desejos egoístas por prazeres e comodidades. São sinceros e fervorosos, mas cansam-se do contínuo esforço, do morrer cada dia, da incessante labuta. A indolência parece convidativa, repulsiva a morte do eu; fecham os olhos sonolentos e caem sob a tentação em vez de resistir-lhe.
    As diretrizes traçadas na Palavra de Deus não deixam lugar para compromisso com o mal. O Filho de Deus Se manifestou para atrair a Si todos os homens. Não veio para embalar o mundo em seu sono, mas para indicar o caminho estreito em que todos devem seguir para alcançar afinal os portais da cidade de Deus. Seus filhos precisam seguir por onde Ele abriu caminho; seja qual for o sacrifício do bem-estar ou condescendência egoísta, seja qual for o custo do trabalho ou sofrimento, precisam manter constante batalha contra o eu.
    O maior louvor que os homens podem apresentar a Deus é tornarem-se consagrados instrumentos por cujo intermédio possa Ele operar. O tempo está passando rapidamente para a eternidade. Não retenhamos de Deus aquilo que é Sua propriedade. Não Lhe recusemos aquilo que, embora não possa ser dado sem mérito, não pode ser negado sem ruína. Ele pede o inteiro coração; dai-Lho; é Seu, tanto pela criação como pela redenção. Ele pede o intelecto; dai-Lho; é Seu. Pede vosso dinheiro; dai-Lho; é Seu. "Não sabeis que... não sois de vós mesmos? Porque fostes comprados por bom preço." I Cor. 6:19 e 20. Deus requer a homenagem da alma santificada, que, pelo exercício da fé que obra por caridade se tenha preparado para servi-Lo. Ele ergue perante nós o mais alto ideal, a perfeição mesmo. Pede que estejamos completa e absolutamente por Ele neste mundo, como Ele está por nós na presença de Deus.
    "Porque esta é a vontade de Deus" no tocante a vós: "A vossa santificação." I Tess. 4:3. É esta também a vossa vontade? Vossos pecados podem ser como uma montanha diante de vós; mas se humilhardes o coração, e confessardes vossos pecados, confiando nos méritos de um Salvador crucificado e ressurgido, Ele vos perdoará e purificará de toda a injustiça. Deus requer de vós inteira conformidade com Sua lei. Esta lei é o eco de Sua voz dizendo-vos: Mais santidade, sim, mais santidade ainda. Desejai a plenitude da graça de Cristo. Permiti que vosso coração se encha de intenso desejo por Sua justiça, cujo efeito a Palavra de Deus declara ser paz, e cuja operação repouso e segurança para sempre. À medida que vossa alma anela a Deus, mais e mais encontrareis as infinitas riquezas de Sua graça. Ao contemplardes essas riquezas, passareis a possuí-las, e revelareis os méritos do sacrifício do Salvador, a proteção de Sua justiça, a plenitude de Sua sabedoria, e Seu poder de vos apresentar diante do Pai "imaculados e irrepreensíveis". II Ped. 3:14

 


    Mais de dezenove séculos são passados desde que os apóstolos descansaram de seus labores; a história de suas lides e sacrifícios por amor de Cristo, porém, encontra-se ainda entre os mais preciosos tesouros da igreja. Essa história, escrita sob a inspiração do Espírito Santo, foi registrada a fim de que, por seu intermédio, os seguidores de Cristo pudessem, em todos os séculos, ser estimulados a maior fervor e zelo na causa do Salvador.
    A comissão dada por Cristo aos discípulos foi cumprida. Ao saírem esses mensageiros da cruz a proclamar o evangelho, houve tal revelação da glória de Deus como nunca antes fora testemunhada pelos mortais. Mediante a cooperação do Espírito divino, os apóstolos fizeram uma obra que abalou o mundo. O evangelho foi levado a todas as nações numa única geração.
    Gloriosos foram os resultados que acompanharam o ministério dos apóstolos escolhidos de Cristo. No começo de seu ministério, alguns deles eram homens sem instrução, mas sua consagração à causa de seu Mestre era sem reservas, e, ensinados por Ele, alcançaram o preparo necessário para a grande obra que lhes foi confiada. Graça e verdade reinavam em seu coração, inspirando-lhes os motivos e regendo-lhes os atos. Traziam a vida escondida com Cristo em Deus, e o próprio eu perdeu-se de vista, submergindo nas profundezas do infinito amor.
    Os discípulos eram homens que sabiam falar e orar com sinceridade, homens que sabiam apropriar-se do poder do Forte de Israel. Quão intimamente se achegaram a Deus e ligaram sua honra pessoal à honra do trono do Senhor! Jeová era seu Deus, e Sua honra a deles própria. A verdade dEle era a sua verdade. Qualquer ataque ao evangelho era como se os golpeassem profundamente na própria alma, e combatiam pela causa de Cristo com todas as energias de seu ser. Podiam expor a Palavra da vida, pois haviam recebido a celeste unção. Esperavam muito, e portanto muito empreendiam. Cristo Se lhes havia revelado, e nEle tinham os olhos à espera de direção. Sua compreensão da verdade e sua resistência em face da oposição eram proporcionais a conformidade que tinham com a vontade de Deus. Jesus Cristo, poder e sabedoria de Deus, era o tema de todos os seus discursos. Seu nome - o único nome debaixo do céu dado entre os homens pelo qual devamos ser salvos - era exaltado por eles. Ao proclamarem a plenitude de Cristo, o Salvador ressuscitado, suas palavras tocavam os corações, e homens e mulheres eram ganhos para o evangelho. Multidões que haviam injuriado o nome do Salvador e desprezado Seu poder, confessavam-se agora discípulos do Crucificado.
    Não foi com o seu próprio poder que os apóstolos cumpriram sua missão, mas no poder do Deus vivo. Sua obra não era fácil. Os trabalhos iniciais da igreja cristã foram cercados de dificuldades e amarga aflição. Em sua obra os discípulos encontravam constantes privações, calúnias e perseguições; mas não reputavam sua vida por preciosa, e regozijavam-se em ser chamados a sofrer perseguição por Cristo. A irresolução, a indecisão, a fraqueza de propósitos, não encontravam lugar em seus esforços. Estavam prontos para gastar e se deixarem gastar. A consciência da responsabilidade que repousava sobre eles, enriquecia-lhes a vida cristã; e a graça celeste revelava-se nas conquistas que faziam para Cristo. Com a força da onipotência, Deus operava por meio deles para tornar o evangelho triunfante.
    Sobre o fundamento que o próprio Cristo assentara, os apóstolos construíram a igreja de Deus. A figura da construção de um templo é freqüentemente usada nas Escrituras para ilustrar a edificação da igreja. Zacarias se refere a Cristo como Renovo que edificaria o templo do Senhor. Fala dos gentios como auxiliares nessa obra: "Aqueles que estão longe virão e edificarão o templo do Senhor" (Zac. 6:12 e 15), e Isaías declara: "E os filhos dos estrangeiros edificarão os teus muros." Isa. 60:10.
    Escrevendo sobre a edificação desse templo, Pedro diz: "E, chegando-vos para Ele - pedra viva, reprovada, na verdade, pelos homens, mas para com Deus eleita e preciosa, vós também, como pedras vivas, sois edificados casa espiritual e sacerdócio santo, para oferecer sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por Jesus Cristo." I Ped. 2:4 e 5.
    Nas pedreiras do mundo judeu e do mundo pagão os apóstolos trabalharam, trazendo pedras para colocar sobre o fundamento. Em sua carta aos crentes de Éfeso, Paulo disse: "Assim que já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos santos, e da família de Deus; edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que Jesus Cristo é a principal pedra da esquina; no qual todo o edifício, bem ajustado, cresce para templo santo no Senhor, no qual também vós juntamente sois edificados para morada de Deus em Espírito." Efés. 2:19-22.
    E aos coríntios ele escreve: "Segundo a graça de Deus que me foi dada, pus eu, como sábio arquiteto, o fundamento, e outro edifica sobre ele; mas veja cada um como edifica sobre ele. Porque ninguém pode pôr outro fundamento, além do que já está posto, o qual é Jesus Cristo. E, se alguém sobre este fundamento formar um edifício de ouro, prata, pedras preciosas, madeira, feno, palha, a obra de cada um se manifestará; na verdade o dia a declarará, porque pelo fogo será descoberta, e o fogo provará qual seja a obra de cada um." I Cor. 3:10-13.
    Os apóstolos edificaram sobre um firme fundamento, sobre a própria Rocha dos Séculos. Para este fundamento trouxeram eles as pedras tiradas da pedreira do mundo. Não foi sem empecilhos que os edificadores trabalharam. Sua obra foi excessivamente dificultada pela oposição dos inimigos de Cristo. Tiveram de lutar contra o fanatismo, o preconceito, o ódio dos que estavam a construir sobre falso fundamento. Muitos que trabalhavam como construtores da igreja poderiam ser comparados aos construtores do muro, nos tempos de Neemias, dos quais é dito: "Os que edificavam o muro, e os que traziam as cargas, e os que carregavam, cada um com uma mão fazia a obra e na outra tinha as armas." Nee. 4:17.
    Reis e governadores, sacerdotes e príncipes procuraram destruir o templo de Deus. Mas em face de prisões, tortura e morte, os fiéis prosseguiram na obra; e a estrutura cresceu bela e simétrica. Algumas vezes foram os obreiros quase cegados pelas névoas da superstição que baixavam sobre eles. Às vezes quase se apoderava deles a violência de seus oponentes. Mas com inabalável fé e inquebrantável coragem levaram avante a obra.
    Um a um, os principais construtores caíram às mãos do inimigo. Estêvão foi apedrejado; Tiago morto à espada; Paulo foi decapitado; Pedro crucificado; João exilado. Contudo a igreja cresceu. Novos obreiros tomaram o lugar daqueles que caíram, e pedra sobre pedra foi acrescentada ao edifício. Assim se ergueu lentamente o templo da igreja de Deus.
    Séculos de feroz perseguição se seguiram ao estabelecimento da igreja cristã, mas nunca faltaram homens que tomassem a construção do templo divino como mais cara do que a sua própria vida. De tais pessoas está escrito: "E outros experimentaram escárnios e açoites, e até cadeias e prisões. Foram apedrejados, serrados, tentados, mortos ao fio da espada; andaram vestidos de peles de ovelhas e de cabras, desamparados, aflitos e maltratados (dos quais o mundo não era digno), errantes pelos desertos, e montes, e pelas covas e cavernas da Terra." Heb. 11:36-38.
    O inimigo da justiça nada deixou por fazer em seu esforço para deter a obra confiada aos edificadores do Senhor. Mas Deus "não Se deixou a Si mesmo sem testemunho". Atos 14:17. Levantaram-se obreiros que com aptidão defenderam a fé uma vez entregue aos santos. A história dá testemunho da fortaleza e heroísmo desses homens. Como os apóstolos, muitos deles tombaram em seus postos, mas a construção do templo avançou firmemente. Os obreiros foram mortos, mas a obra prosseguiu. Os valdenses, João Wycliffe, Huss e Jerônimo, Martinho Lutero e Zwínglio, Cranmer, Latimer e Knox, os huguenotes, João e Carlos Wesley, e uma hoste de outros, contribuíram para o fundamento com material que permanecerá por toda a eternidade. E em anos posteriores os que tão nobremente têm procurado promover a disseminação da Palavra de Deus, e por seu serviço em terras pagãs têm preparado o caminho para a proclamação da última grande mensagem - também esses têm estado a ajudar na estrutura.
    Através de todos os séculos que se passaram desde os dias dos apóstolos, a construção do templo de Deus jamais cessou. Podemos olhar para os séculos que estão para trás, e veremos as pedras vivas de que é composto, brilhantes como jatos de luz em meio às trevas do erro e da superstição. Através da eternidade as jóias preciosas brilharão com brilho sempre maior, testificando do poder da verdade de Deus. O foco de luz dessas pedras polidas revela o forte contraste entre a luz e as trevas, entre o ouro da verdade e a escória do erro.
    Paulo e os outros apóstolos, e todos os justos que viveram depois deles, fizeram sua parte na edificação do templo. Mas a estrutura ainda não está completa. Nós que vivemos neste tempo temos um trabalho a fazer, uma parte a cumprir. Devemos levar para o fundamento material que resista à prova do fogo - ouro, prata e pedras preciosas "lavradas, como colunas de um palácio". Sal. 144:12. Aos que assim edificam para Deus, dirige Paulo as palavras de animação e advertência: "Se a obra que alguém edificou nessa parte permanecer, esse receberá galardão. Se a obra de alguém se queimar, sofrerá detrimento; mas o tal será salvo, todavia como pelo fogo." I Cor. 3:14 e 15. O cristão que fielmente apresenta a Palavra da vida, encaminhando homens e mulheres às veredas da santidade e da paz, está levando para o fundamento material resistente, e no reino de Deus será honrado como edificador sábio.
    Está escrito acerca dos apóstolos: "E eles, tendo partido, pregaram por todas as partes, cooperando com eles o Senhor, e confirmando a Palavra com os sinais que se seguiram." Mar. 16:20. Como Cristo enviou Seus discípulos, assim envia Ele hoje os membros de Sua igreja. Está-lhes reservado o mesmo poder que os apóstolos possuíam. Se fizerem de Deus sua força, Ele cooperará com eles, e não hão de trabalhar em vão. Compreendam que a obra em que se acham empenhados tem sobre si impresso o sinete de Deus. O Senhor disse a Jeremias:  "Não digas: eu sou uma criança; porque aonde quer que Eu te enviar, irás; e tudo quanto te mandar dirás. Não temas diante deles; porque Eu sou contigo para te livrar, diz o Senhor." Então o Senhor estendeu a mão e tocou nos lábios de Seu servo, dizendo: "Eis que ponho as Minhas palavras na tua boca." Jer. 1:7-9. E Ele nos ordena que vamos e falemos as palavras que nos dá, sentindo Seu santo contato em nossos lábios.
    Cristo confiou à igreja um sagrado encargo. Cada membro deve ser um conduto através do qual Deus possa comunicar ao mundo os tesouros de Sua graça, as insondáveis riquezas de Cristo. Não há nada que o Salvador deseje tanto como agentes que representem ao mundo Seu Espírito e Seu caráter. Nada existe que o mundo necessite mais do que a manifestação do amor do Salvador através da humanidade. Todo o Céu está à espera de homens e mulheres por cujo intermédio possa Deus revelar o poder do cristianismo.
    A igreja é o instrumento de Deus para a proclamação da verdade, por Ele dotada de poder para fazer uma obra especial; e se ela for leal ao Senhor, obediente a todos os Seus mandamentos, nela habitará a excelência da graça divina. Se for fiel a sua missão, se honrar ao Senhor Deus de Israel, não haverá poder capaz de a ela se opor.
    O zelo em favor de Deus e Sua causa impulsionou os discípulos a dar testemunho do evangelho com grande poder. Não deveria um zelo tal inflamar nosso coração com a determinação de contar a história do amor redentor de Cristo e Este crucificado? É o privilégio de todo cristão não somente aguardar, mas apressar a vinda do Salvador.
    Se a igreja se revestir do manto da justiça de Cristo, deixando qualquer aliança com o mundo, raiará para ela o amanhecer de um dia brilhante e glorioso. As promessas de Deus a ela feitas serão sempre firmes. Ele fará dela uma excelência eterna, um regozijo de muitas gerações. A verdade, passando de largo aqueles que a desprezam e rejeitam, triunfará. Conquanto às vezes pareça haver retardado, seu progresso nunca foi impedido. Quando a mensagem de Deus se defronta com a oposição, Ele lhe concede força adicional, para que ela exerça maior influência. Dotada de energia divina, abrirá caminho através das mais fortes barreiras e triunfará sobre todos os obstáculos.
    Que susteve o Filho de Deus durante Sua vida de trabalho e sacrifício? Ele viu os resultados do trabalho de Sua alma, e ficou satisfeito. Olhando para dentro da eternidade, contemplou a felicidade dos que receberam por intermédio de Sua humilhação, perdão e vida eterna. Seus ouvidos perceberam os hosanas dos remidos. Ouviu-os entoando o cântico de Moisés e do Cordeiro.
    Podemos ter uma visão do futuro, da felicidade no Céu. Na Bíblia estão reveladas visões da glória futura, cenas pintadas pela mão de Deus, e que são uma preciosidade para Sua igreja. Pela fé podemos chegar até o limiar da cidade eterna e ouvir as afáveis boas-vindas dadas aos que, nesta vida, cooperaram com Cristo, considerando uma honra sofrer por Sua causa. Ao serem pronunciadas as palavras: "Vinde, benditos de Meu Pai" (Mat. 25:34), eles lançam suas coroas aos pés do Redentor, exclamando: "Digno é o Cordeiro que foi morto, de receber o poder, e riquezas, e sabedoria, e força, e honra, e glória, e ações de graça. ...
    E ao que está assentado sobre o trono, e ao Cordeiro, sejam dadas ações de graças, e honra, e glória, e poder para todo o sempre." Apoc. 5:12 e 13.
    Lá os remidos saudarão os que os conduziram ao Salvador, e todos se unirão no louvor Àquele que morreu para que os seres humanos pudessem ter a vida que se mede com a vida de Deus. O conflito está terminado. As tribulações e lutas chegaram ao fim. Cânticos de vitória enchem todo o Céu, enquanto os resgatados entoam a jubilosa melodia: Digno, digno é o Cordeiro que foi morto, e vive outra vez, triunfante Conquistador.
    "Depois destas coisas olhei, e eis aqui uma multidão, a qual ninguém podia contar, de todas as nações, e tribos, e povos, e línguas, que estavam diante do trono, e perante o Cordeiro, trajando vestidos brancos e com palmas nas suas mãos; e clamavam com grande voz, dizendo: Salvação ao nosso Deus, que está assentado no trono, e ao Cordeiro." Apoc. 7:9 e 10.
    "Estes são os que vieram de grande tribulação, e lavaram os seus vestidos e os branquearam no sangue do Cordeiro. Por isso estão diante do trono de Deus, e O servem de dia e de noite no Seu templo; e Aquele que está assentado sobre o trono os cobrirá com a Sua sombra. Nunca mais terão fome, nunca mais terão sede; nem sol nem calma alguma cairá sobre eles. Porque o Cordeiro que está no meio do trono os apascentará, e lhes servirá de guia para a fontes das águas da vida; e Deus limpará de seus olhos toda a lágrima." Apoc. 7:14-17. "E não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor; porque já as primeiras coisas são passadas." Apoc. 21:4.
 

 


    Nos dias dos apóstolos os crentes cristãos estavam cheios de fervor e entusiasmo. Tão incansavelmente trabalhavam eles para o Mestre que em tempo comparativamente curto, não obstante a feroz perseguição, o evangelho do reino soou em todas as partes do mundo habitado. O zelo manifestado nesse tempo pelos seguidores de Jesus foi relatado pela pena da inspiração para encorajamento dos crentes em todos os séculos. Da igreja de Éfeso, usada pelo Senhor Jesus como símbolo de toda a igreja cristã na era apostólica, a Testemunha fiel e verdadeira declarou:
    "Eu sei as tuas obras, e o teu trabalho, e a tua paciência, e que não podes sofrer os maus; e puseste à prova os que dizem ser apóstolos e o não são, e tu os achaste mentirosos. E sofreste, e tens paciência; e trabalhaste pelo Meu nome, e não te cansaste." Apoc. 2:2 e 3.
    No início, a experiência da igreja de Éfeso foi marcada por simplicidade e fervor infantis. Os crentes procuravam fervorosamente obedecer a cada ordem de Deus, e suas vidas revelavam fervente e sincero amor por Cristo. Regozijavam-se em fazer a vontade de Deus porque o Salvador estava sempre presente em seu coração. Cheios de amor pelo Redentor, era seu mais alto objetivo conquistar almas para Ele. Não pensavam em reter o precioso tesouro da graça de Cristo.     Sentiam a importância do seu chamado; e com a responsabilidade da mensagem, "Paz na Terra, boa vontade para com os homens" (Luc. 2:14), ardiam em desejo de levar as alegres novas de salvação aos recantos mais remotos da Terra. E o mundo teve conhecimento de que haviam estado com Jesus. Homens pecadores, arrependidos, perdoados, purificados e santificados, foram levados em participação com Deus através de Seu Filho.
    Os membros da igreja estavam unidos em sentimento e ação. O amor a Cristo era a cadeia de ouro que os unia. Prosseguiram em conhecer o Senhor mais e mais perfeitamente, e a vida deles revelava o júbilo e a paz de Cristo. Visitavam os órfãos e as viúvas em suas aflições, e guardavam-se imaculados do mundo, sentindo que deixar de fazer isto seria uma contradição de sua fé e uma negação de seu Redentor.
    Em cada cidade a obra era levada para frente. Almas eram convertidas e estas por sua vez sentiam que precisavam falar do inestimável tesouro que haviam recebido. Não tinham repouso sem que a luz que lhes iluminara a mente brilhasse sobre outros. Multidões de incrédulos ficavam familiarizados com as razões da esperança dos cristãos. Amorosos e inspirados apelos pessoais eram feitos aos que estavam em erro, aos párias e aos que, embora professando conhecer a verdade, eram mais amantes dos prazeres que de Deus.
    Depois de algum tempo, porém, começou a minguar o zelo dos crentes, bem assim seu amor a Deus e de uns para com os outros. A frieza invadiu a igreja. Alguns esqueceram a maneira maravilhosa em que haviam recebido a verdade. Os velhos porta-estandartes caíram em seu posto um após outro. Alguns dos obreiros mais jovens, que poderiam haver partilhado das responsabilidades desses pioneiros e assim se preparado para assumir direção sábia, haviam-se cansado das tão repetidas verdades. Em seu desejo de alguma coisa nova e estimulante, buscaram introduzir novos aspectos da doutrina, mais agradáveis a muitos espíritos, mas não em harmonia com os princípios fundamentais do evangelho. Em sua confiança própria e cegueira espiritual deixaram de discernir que esses sofismas levariam muitos a pôr em dúvida as experiências do passado, conduzindo assim à confusão e incredulidade.
    Ao serem essas falsas doutrinas introduzidas, despertavam divergências, e os olhos de muitos deixaram de contemplar a Jesus como o autor e consumador de sua fé. A discussão sobre insignificantes pontos de doutrina, e o gosto por fábulas de invenção humana, ocupavam o tempo que deveria ser gasto na proclamação do evangelho. As massas que poderiam ter sido convencidas e convertidas pela fiel apresentação da verdade, eram deixadas sem advertência. A piedade decaía rapidamente e parecia estar Satanás para alcançar ascendência sobre os que se declaravam seguidores de Cristo.
    Foi neste tempo crítico da história da igreja que João foi sentenciado ao desterro. Jamais fora a sua voz tão necessária à igreja como agora. Quase todos os seus antigos companheiros de ministério tinham sofrido martírio. O remanescente dos crentes estava enfrentando feroz oposição. Segundo todas as aparências não estava longe o dia em que os inimigos da igreja de Cristo triunfariam.
    Mas a mão do Senhor se movia invisível no meio das trevas. Na providência de Deus, João fora colocado onde Cristo lhe podia dar uma maravilhosa revelação de Si mesmo e da divina verdade para iluminação das igrejas.
    Exilando João, tinham os inimigos da verdade esperado fazer silenciar para sempre a voz da fiel testemunha de Deus; mas em Patmos o discípulo recebeu uma mensagem cuja influência devia continuar a fortalecer a igreja até o fim dos tempos. Embora não tendo ficado livres da responsabilidade de seu mau ato, os que exilaram João tornaram-se instrumento nas mãos de Deus para a realização do propósito do Céu; e o próprio esforço para extinguir a luz colocou a verdade em ousada notoriedade.
    Foi no sábado que o Senhor da glória apareceu ao exilado apóstolo. O sábado era tão religiosamente observado por João em Patmos como quando estava pregando ao povo nas cidades e vilas da Judéia. Considerava como sua propriedade as preciosas promessas feitas em referência a este dia. "Eu fui arrebatado em espírito no dia do Senhor", escreve João, "e ouvi detrás de mim uma grande voz, como de trombeta, que dizia: O que vês, escreve-o num livro. ... E virei-me para ver quem falava comigo. E, virando-me, vi sete castiçais de ouro; e no meio dos sete castiçais um semelhante ao Filho do homem." Apoc. 1:10-13.
    Ricamente favorecido foi este amado discípulo. Ele tinha visto seu Mestre no Getsêmani, face marcada com o gotejar do sangue da agonia, "o Seu parecer estava tão desfigurado, mais do que o de outro qualquer, e a Sua figura mais do que a dos outros filhos dos homens". Isa. 52:14. Vira-O nas mãos dos soldados romanos, vestido com um velho manto de púrpura e coroado de espinhos. Vira-O suspenso na cruz do Calvário, objeto de cruel zombaria e abuso. Agora é permitido a João contemplar uma vez mais a seu Senhor. Mas quão mudada está Sua aparência! Não é mais um homem de dores, desprezado e humilhado pelos homens. Está envolvido em vestes de esplendor celestial. "E a Sua cabeça e cabelos eram brancos como lã branca, como a neve, e os Seus olhos como chama de fogo; e os Seus pés, semelhantes a latão reluzente, como se tivessem sido refinados numa fornalha." Apoc. 1:14 e 15. Sua voz é como a música de muitas águas. Seu rosto brilha como Sol. Em Sua mão estão sete estrelas, e de Sua boca sai uma espada aguda de dois gumes, emblema do poder de Sua Palavra. Patmos resplende com a glória do Senhor ressurgido.
    "E eu, quando O vi", escreve João, "caí a Seus pés como morto; e Ele pôs sobre mim a Sua destra, dizendo-me: Não temas." Apoc. 1:17.
João estava fortalecido para viver na presença do seu glorificado Senhor. Então, perante sua maravilhada visão foram abertas as glórias do Céu. Foi-lhe permitido ver o trono de Deus e olhando para além dos conflitos da Terra, contemplar a multidão de remidos vestidos de branco. Ele ouviu a música dos anjos celestiais e os triunfantes cânticos dos que venceram pelo sangue do Cordeiro e pela palavra de Seu testemunho. Na revelação a ele dada foram desdobradas cena após cena de empolgante interesse na experiência do povo de Deus, e a história da igreja foi desvelada até o fim dos séculos. Em figuras e símbolos, assuntos de vasta importância foram apresentados a João para que os relatasse, a fim de que o povo de Deus do seu século e dos séculos futuros tivesse inteligente compreensão dos perigos e conflitos diante deles.
    Esta revelação foi dada para guia e conforto da igreja através da dispensação cristã. No entanto, mestres religiosos têm declarado que este é um livro selado e seus segredos não podem ser explicados. Em conseqüência, muitos se têm desviado do relato profético, recusando devotar tempo e estudo a seus mistérios. Mas Deus não deseja que Seu povo tenha este livro em semelhante conta. Ele é a "revelação de Jesus Cristo, a qual Deus Lhe deu, para mostrar aos Seus servos as coisas que brevemente devem acontecer". "Bem-aventurado aquele que lê", declara o Senhor, e "os que ouvem as palavras desta profecia, e guardam as coisas que nela estão escritas; porque o tempo está próximo." Apoc. 1:1 e 3. "Eu testifico a todo aquele que ouvir as palavras da profecia deste livro que, se alguém lhes acrescentar alguma coisa, Deus fará vir sobre ele as pragas que estão escritas neste livro; e, se alguém tirar quaisquer palavras do livro desta profecia, Deus tirará a sua parte da árvore da vida, e da cidade santa, que estão escritas neste livro. Aquele que testifica estas coisas diz: Certamente cedo venho." Apoc. 22:18-20.
    No Apocalipse são pintadas as coisas profundas de Deus. O próprio nome dado a suas inspiradas páginas, "revelação", contradiz a afirmação de que é um livro selado. Uma revelação é alguma coisa que foi revelada. O próprio Senhor revelou a Seu servo os mistérios contidos neste livro, e propõe que seja aberto ao estudo de todos. Suas verdades são dirigidas aos que vivem nos últimos dias da história da Terra, como o foram aos que viviam nos dias de João. Algumas das cenas descritas nesta profecia estão no passado e algumas estão agora tendo lugar; algumas apresentam-nos o fim do grande conflito entre os poderes das trevas e o Príncipe do Céu e algumas revelam os triunfos e o regozijo dos remidos na Terra renovada.
    Que ninguém pense que por não poder explicar o significado de cada símbolo do Apocalipse, é-lhe inútil pesquisar este livro numa tentativa de conhecer o significado da verdade que ele contém. Aquele que revelou estes mistérios a João dará ao diligente pesquisador da verdade um antegozo das coisas celestiais. Aqueles cujo coração está aberto à recepção da verdade serão capacitados a compreender seus ensinos, e ser-lhes-á garantida a bênção prometida àqueles que "ouvem as palavras desta profecia, e guardam as coisas que nela estão escritas". Apoc. 1:3.
    No Apocalipse todos os livros da Bíblia se encontram e se cumprem. Ali está o complemento do livro de Daniel. Um é uma profecia; o outro uma revelação. O livro que foi selado não é o Apocalipse, mas a porção da profecia de Daniel relativa aos últimos dias. O anjo ordenou: "E tu, Daniel, fecha estas palavras e sela este livro, até ao fim do tempo." Dan. 12:4.
    Foi Cristo quem ordenou ao apóstolo relatar o que lhe deveria ser revelado. "O que vês, escreve-o num livro", ordenou Ele, "e envia-o às sete igrejas que estão na Ásia: a Éfeso, e a Esmirna, e a Pérgamo, e a Tiatira, e a Sardes, e a Filadélfia e a Laodicéia." "Eu sou. ... o que vivo e fui morto, mas eis aqui estou vivo para todo o sempre. ... Escreve as coisas que tens visto, e as que são, e as que depois destas hão de acontecer: o mistério das sete estrelas, que viste na Minha destra, e dos sete castiçais de ouro. As sete estrelas são os anjos das sete igrejas, e os sete castiçais, que viste, são as sete igrejas." Apoc. 1:11 e 18-20.
    Os nomes das sete igrejas são símbolos da igreja em diferentes períodos da era cristã. O número sete indica plenitude, e simboliza o fato de que as mensagens se estendem até o fim do tempo, enquanto os símbolos usados revelam o estado da igreja nos diversos períodos da história do mundo.
    É dito de Cristo que anda no meio dos castiçais de ouro. Assim é simbolizada a Sua relação para com as igrejas. Ele está em constante comunicação com Seu povo. Conhece seu verdadeiro estado. Observa-lhe a ordem, piedade e devoção. Conquanto seja Sumo Sacerdote e Mediador no santuário celestial, é apresentado andando de um para outro lado entre as Suas igrejas terrestres. Com infatigável desvelo e ininterrupta vigilância, observa para ver se a luz de qualquer de Suas sentinelas está bruxuleando ou se extinguindo. Se os castiçais fossem deixados ao cuidado meramente humano, sua trêmula chama enlanguesceria e morreria; mas Ele é o verdadeiro vigia da casa do Senhor, o verdadeiro guarda dos átrios do templo. Seu assíduo cuidado e graça mantenedora são a fonte de vida e luz.
    Cristo é representado como tendo sete estrelas em Sua mão direita. Isto nos assegura que nenhuma igreja fiel a seu encargo necessita temer o fracasso; pois nenhuma estrela que tem a proteção do Onipotente pode ser arrebatada da mão de Cristo.
    "Isto diz Aquele que tem na Sua destra as sete estrelas." Apoc. 2:1. Essas palavras são ditas aos que ensinam na igreja - aqueles a quem Deus confiou pesadas responsabilidades. As suaves influências que devem existir na igreja têm muito que ver com os ministros de Deus, os quais devem revelar o amor de Cristo. As estrelas do céu estão sob o Seu controle. Ele as ilumina com Sua luz. Guia-as e dirige-lhes os movimentos. Se Ele não fizesse isto tornar-se-iam estrelas caídas. Assim é com Seus ministros. Eles são apenas instrumentos em Suas mãos, e todo o bem que realizam é feito por meio de Seu poder. Através deles deve a Sua luz brilhar.
    O Salvador deve ser a sua eficiência. Se olharem para Ele como Ele olhava para o Pai, serão habilitados a fazer a Sua obra. Ao fazer de Deus o Seu arrimo, Ele lhes dará Seu resplendor para o refletirem sobre o mundo.
    Cedo na história da igreja o mistério da iniqüidade predito pelo apóstolo Paulo iniciou sua calamitosa obra; e quando os falsos ensinadores, a cujo respeito Pedro advertiu os crentes, exibiram suas heresias, muitos foram seduzidos pelas falsas doutrinas. Alguns tropeçaram sob as provas e foram tentados a abandonar a fé. Ao tempo em que foi dada esta revelação a João, muitos haviam perdido seu primeiro amor da verdade evangélica. Mas em Sua misericórdia Deus não permitiu que a igreja continuasse em estado de apostasia. Numa mensagem de infinita ternura Ele revelou Seu amor por eles, e Seu desejo de que fizessem segura obra para a eternidade. "Lembra-te pois donde caíste", apelou, "e arrepende-te, e pratica as primeiras obras." Apoc. 2:5.
    A igreja era defeituosa, e necessitava de severa reprovação e advertência; e João foi inspirado a registrar mensagens de advertência e reprovação e a apelar aos que, tendo perdido de vista os princípios fundamentais do evangelho, estavam pondo em perigo sua esperança de salvação. Mas as palavras de repreensão que Deus acha necessário enviar são ditas sempre em cativante amor, e com a promessa de paz a cada crente contrito. "Eis que estou à porta, e bato", declara o Senhor; "se alguém ouvir a Minha voz, e abrir a porta, entrarei em sua casa, e com ele cearei, e ele comigo." Apoc. 3:20.
    E   aos que em meio ao conflito mantivessem sua fé em Deus, foram dadas ao profeta as palavras de louvor e promessa: "Eu sei as tuas obras; eis que diante de ti pus uma porta aberta, e ninguém a pode fechar; tendo pouca força, guardaste a Minha palavra, e não negaste o Meu nome. ... Como guardaste a palavra da Minha paciência, também Eu te guardarei da hora da tentação que há de vir sobre todo o mundo, para tentar os que habitam na Terra." Os crentes foram admoestados: "Sê vigilante, e confirma os restantes, que estavam para morrer." "Eis que venho sem demora; guarda o que tens, para que ninguém tome a tua coroa." Apoc. 3:8, 10, 2 e 11.
    Foi por intermédio de alguém que se declarava "irmão, e companheiro na aflição" (Apoc. 1:9), que Cristo revelou a Sua igreja o que ela devia sofrer por Seu amor. Olhando através dos longos séculos de trevas e superstições, o exilado encanecido viu multidões sofrendo o martírio por causa de seu amor pela verdade. Mas viu também que Aquele que sustinha Suas primeiras testemunhas não abandonaria Seus fiéis seguidores durante os séculos de perseguição por que deviam passar antes do fim dos tempos. "Nada temas das coisas que hás de padecer", declarou o Senhor. "Eis que o diabo lançará alguns de vós na prisão, para que sejais tentados; e tereis uma tribulação. ... Sê fiel até à morte, e dar-te-ei a coroa da vida." Apoc. 2:10.
    E a todos os fiéis que estivessem lutando contra o mal, João ouviu as promessas: "Ao que vencer, dar-lhe-ei a comer da árvore da vida, que está no meio do paraíso de Deus." Apoc. 2:7. "O que vencer será vestido de vestes brancas, e de maneira nenhuma riscarei o seu nome do livro da vida; e confessarei o seu nome diante de Meu Pai e diante dos Seus anjos." "Ao que vencer lhe concederei que se assente comigo no Meu trono; assim como Eu venci, e Me assentei com Meu Pai no Seu trono." Apoc. 3:5 e 21.
    João viu a misericórdia, a compaixão e o amor de Deus de mistura com Sua santidade, justiça e poder. Viu encontrarem os pecadores um Pai nAquele a quem eles, por pecadores que eram, foram levados a temer. E olhando para além da conclusão do grande conflito, contemplou Sião "e também os que saíram vitoriosos... que estavam junto ao mar de vidro, e tinham as harpas de Deus". "E cantavam o cântico de Moisés, servo de Deus, e o cântico do Cordeiro." Apoc. 15:2 e 3.
    O Salvador é apresentado perante João sob os símbolos do "Leão da tribo de Judá", e de um "Cordeiro, como havendo sido morto". Apoc. 5:5 e 6. Esses símbolos representam a união do onipotente poder e do amor que se sacrifica. O Leão de Judá, tão terrível para os que rejeitam Sua graça, será o Cordeiro de  Deus para os obedientes e fiéis. A coluna de fogo que fala de terrores e indignação para o transgressor da lei de Deus, é um sinal de luz, misericórdia e livramento para os que guardaram os Seus mandamentos. O braço forte que aniquila o rebelde será forte para libertar os fiéis. Todo o que for fiel será salvo. "E Ele enviará os Seus anjos com rijo clamor de trombeta, os quais ajuntarão os Seus escolhidos desde os quatro ventos, de uma à outra extremidade dos céus." Mat. 24:31.
    Em comparação com os milhões do mundo, o povo de Deus será, como tem sido sempre, um pequeno rebanho; mas se permanecerem na verdade como revelada em Sua Palavra, Deus será seu refúgio. Permanecerão sob o amplo abrigo da Onipotência. Deus é sempre a maioria. Quando o som da última trombeta penetrar a prisão dos mortos, e os justos saírem triunfantes, exclamando: "Onde está, ó morte, o teu aguilhão? Onde está, ó inferno, a tua vitória" (I Cor. 15:55), para permanecerem então com Deus, com Cristo, com os anjos e com os leais e fiéis de todos os tempos, os filhos de Deus serão a grande maioria.
    Os verdadeiros discípulos de Cristo seguem-nO através de severos conflitos, suportando a negação de si mesmos e experimentando amargos desapontamentos; mas isto lhes ensina a culpa e o ai do pecado, e assim são levados a olhar para ele com repulsa. Participantes dos sofrimentos de Cristo, estão destinados a participar de Sua glória. Em santa visão o profeta contemplou o triunfo final da igreja remanescente de Deus. Ele escreve: "E vi um como mar de vidro misturado com fogo; e também os que saíram vitoriosos... que estavam junto ao mar de vidro, e tinham as harpas de Deus. E cantavam o cântico de Moisés, servo de Deus, e o cântico do Cordeiro, dizendo: Grandes e maravilhosas são as Tuas obras, Senhor Deus todo-poderoso! Justos e verdadeiros são os Teus caminhos, ó Rei dos santos." Apoc. 15:2 e 3.
 "E olhei, e eis que estava o Cordeiro sobre o monte de Sião, e com Ele cento e quarenta e quatro mil, que em suas testas tinham escrito o nome dEle e o de Seu Pai." Apoc. 14:1. Neste mundo suas mentes foram consagradas a Deus; serviram-nO com o intelecto e com o coração; e agora Ele pode colocar Seu nome "em suas testas". "E reinarão para todo o sempre." Apoc. 22:5. Eles não entram e saem como quem suplica um lugar. São daquele número aos quais Cristo diz: "Vinde, benditos de Meu Pai, possuí por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo." Dá-lhes as boas-vindas como Seus filhos, dizendo: "Entra no gozo do teu Senhor." Mat. 25:34 e 21.
    "Estes são os que seguem o Cordeiro para onde quer que vai. Estes são os que dentre os homens foram comprados como primícias para Deus e para o Cordeiro." Apoc. 14:4. A visão do profeta representa-os como estando sobre o monte de Sião, cingidos para santo serviço, vestidos de linho branco, que representa a justiça dos santos. Mas todos os que seguirem o Cordeiro no Céu, precisarão primeiro tê-Lo seguido na Terra, não contrariados ou por capricho, mas em confiante, amorável e voluntária obediência, como o rebanho segue o pastor.
    "E ouvi uma voz de harpistas, que tocavam com as suas harpas. E cantavam um como cântico novo diante do trono, ... e ninguém podia aprender aquele cântico, senão os cento e quarenta e quatro mil que foram comprados da Terra... E na sua boca não se achou engano; porque são irrepreensíveis diante do trono de Deus." Apoc. 14:2-5.
    "E eu, João, vi a santa cidade, a nova Jerusalém, que de Deus descia do Céu, adereçada como uma esposa ataviada para o seu marido." "E a sua luz era semelhante a uma pedra preciosíssima, como a pedra de jaspe, como o cristal resplandecente. E tinha um grande e alto muro com doze portas, e nas portas doze anjos, e nomes escritos sobre elas, que são os nomes das doze tribos de Israel." "E as doze portas eram doze pérolas: cada uma das portas era uma pérola; e a praça da cidade de ouro puro, como vidro transparente. E nela não vi templo, porque o seu templo é o Senhor Deus todo-poderoso, e o Cordeiro. Apoc. 21:2, 11, 12, 21 e 22.
    "E ali nunca mais haverá maldição contra alguém; e nela estará o trono de Deus e do Cordeiro, e Seus servos O servirão. E verão o Seu rosto, e nas suas testas estará o Seu nome. E ali não haverá mais noite, e não necessitarão de lâmpada nem de luz do Sol, porque o Senhor Deus os alumina." Apoc. 22:3-5.
    "E mostrou-me o rio puro de água da vida, claro como cristal, que procedia do trono de Deus e do Cordeiro. No meio da sua praça, e de uma e da outra banda do rio, estava a árvore da vida, que produz doze frutos, dando seu fruto de mês em mês; e as folhas da árvore são para a saúde das nações." Bem-aventurado aqueles que lavam as suas vestiduras no sangue do Cordeiro, para que tenham direito à árvore da vida, e possam entrar na cidade pelas portas." Apoc. 22:1, 2 e 14.
"E ouvi uma grande voz do céu, que dizia: Eis aqui o tabernáculo de Deus com os homens, Pois com eles habitará, E eles serão o Seu povo, E o mesmo Deus estará com eles, será o seu Deus." Apoc. 21:3.



    Cinco dias depois de haver Paulo chegado a Cesaréia, seus acusadores chegaram de Jerusalém, acompanhados por Tértulo, um orador a quem tinham aliciado como conselheiro. Foi concedida ao caso imediata audiência. Paulo foi levado perante a assembléia, e Tértulo "começou a acusá-lo". Julgando que a lisonja pudesse ter sobre o governador romano mais influência que as simples afirmações da verdade e da justiça, o astuto orador começou seu discurso louvando a Félix: "Visto como por ti temos tanta paz e por tua prudência se fazem a este povo muitos e louváveis serviços, sempre e em todo o lugar, ó potentíssimo Félix, com todo o agradecimento o queremos reconhecer." Atos 24:2 e 3.
    Tértulo desceu aqui a deslavada falsidade; pois o caráter de Félix era indigno e desprezível. Dele foi dito que "na prática de toda espécie de luxúria e crueldade, exerceu o poder de um rei com a têmpera de um escravo".
    (Tácito, História, cap. 5, par. 9.) Todos os que ouviram Tértulo sabiam que suas aduladoras palavras eram uma inverdade; mas seu desejo de assegurar a condenação de Paulo era mais forte que seu amor à verdade.
    Em seu discurso, Tértulo acusou Paulo de crimes que, se provados, teriam resultado em sua condenação por alta traição contra o governo. "Temos achado que este homem é uma peste", declarou o orador, "e promotor de sedições entre todos os judeus, por todo o mundo; e o principal defensor da seita dos nazarenos, o qual intentou também profanar o templo." Atos 24:5 e 6. Tértulo afirmou então que Lísias, o comandante da guarnição em Jerusalém, tinha arrebatado Paulo aos judeus com violência, quando estavam para julgá-lo por sua lei eclesiástica, e que assim os forçou a apresentar o assunto perante Félix. Essas afirmações eram feitas com o desígnio de induzir o procurador a devolver Paulo à corte judaica. Todas as acusações foram sustentadas com veemência pelos judeus presentes, os quais nenhum esforço fizeram para ocultar seu ódio ao prisioneiro.
    Félix teve suficiente perspicácia para ler a disposição e caráter dos acusadores de Paulo. Sabia por que motivo o tinham lisonjeado, e viu também que não tinham conseguido provar suas acusações contra Paulo. Voltando-se para o acusado, acenou-lhe para que respondesse por si. Paulo não gastou palavras em cumprimentos, mas afirmou simplesmente que com tanto maior ânimo se defendia perante Félix, uma vez que este era havia tanto tempo procurador, e portanto tinha bom conhecimento das leis e costumes dos judeus. Referindo-se às acusações apresentadas contra ele, mostrou plenamente que nenhuma era verdadeira. Declarou que não havia provocado distúrbio em parte alguma de Jerusalém, nem profanado o santuário. "Não me acharam no templo falando com alguém", declarou, "nem amotinando o povo nas sinagogas, nem na cidade. Nem tão pouco podem provar as coisas de que agora me acusam." Atos 24:12 e 13.
    Conquanto confessando que "conforme aquele caminho que chamam seita" adorava ao Deus de seus pais, sustentou que sempre havia crido em "tudo quanto está escrito na lei e nos profetas"; e que em harmonia com o claro ensino das Escrituras, cria na ressurreição dos mortos. Declarou ainda mais que o propósito orientador de sua vida era "sempre ter uma consciência sem ofensa, tanto para com Deus como para com os homens". Atos 24:14-16.
    De maneira sincera e reta ele declarou o objetivo de sua visita a Jerusalém, e as circunstâncias de sua prisão e julgamento: "Ora, muitos anos depois, vim trazer a minha nação esmolas e ofertas. Nisto me acharam já santificado no templo, não em ajuntamentos, nem com alvoroços, uns certos judeus da Ásia, os quais convinha que estivessem presentes perante ti, e me acusassem, se alguma coisa contra mim tivessem. Ou digam estes mesmos, se acharam em mim alguma iniqüidade, quando compareci perante o conselho, a não ser estas palavras, que, estando entre eles, clamei: Hoje sou julgado por vós acerca da ressurreição dos mortos." Atos 24:17-21.
    O apóstolo falou com ardorosa e evidente sinceridade, e suas palavras levavam um peso de convicção. Cláudio Lísias, em sua carta a Félix, tinha dado testemunho similar com respeito à conduta de Paulo. Além disso, Félix tinha melhor conhecimento da religião judaica do que muitos supunham. A clara exposição que Paulo fizera dos fatos, capacitou Félix neste caso a entender ainda mais claramente os motivos pelos quais os judeus eram dominados ao procurar acusar o apóstolo de sedição e conduta desleal. O governador não queria agradar-lhes condenando injustamente um cidadão romano, nem o poderia entregar para que o matassem sem um reto julgamento. No entanto Félix não conhecia mais alto motivo que o interesse próprio, e era controlado pelo amor da fama e desejo de promoção. O temor de ofender os judeus impediu-o de fazer inteira justiça a um homem a quem sabia inocente. Decidiu, portanto, suspender o julgamento até que Lísias estivesse presente, dizendo: "Quando o tribuno Lísias tiver descido, então tomarei inteiro conhecimento dos vossos negócios."
    O apóstolo permaneceu prisioneiro, mas Félix ordenou ao centurião que havia sido indicado para guardar a Paulo, "que o guardassem em prisão, tratando-o com brandura, e que a ninguém dos seus proibisse servi-lo ou vir ter com ele". Atos 24:22 e 23.
    Não foi muito depois disto que Félix e sua esposa, Drusila, mandaram chamar a Paulo para em entrevista privada poderem ouvi-lo "acerca da fé em Cristo".Atos 24:24. Eles estavam desejosos e mesmo ávidos de ouvir a respeito dessas novas verdades - verdades que poderiam jamais ouvir de novo, e que, se rejeitadas, dariam um pronto testemunho contra eles no dia de Deus.
    Paulo considerou essa oportunidade como provida por Deus, e fielmente a aproveitou. Sabia achar-se na presença de um homem que tinha o poder de o condenar à morte ou de o livrar; contudo não se dirigiu a Félix e Drusila com palavras de elogio ou lisonjas. Sabia que suas palavras seriam para eles um cheiro de vida ou de morte, e esquecendo toda consideração egoísta, procurou despertá-los para o senso de seu perigo.
    O apóstolo compreendia que o evangelho tinha uma reivindicação sobre quem quer que atentasse para suas palavras; que um dia eles estariam ou entre os puros e santos ao redor do grande trono branco, ou com aqueles a quem Cristo haveria de dizer: "Apartai-vos de Mim, vós que praticais a iniqüidade." Mat. 7:23. Ele sabia que teria de encontrar cada um de seus ouvintes diante do tribunal do Céu, e que aí teria de prestar contas, não apenas de tudo o que havia dito e feito, mas do motivo e espírito de suas palavras e ações.
    Tão violenta e cruel havia sido a conduta de Félix, que poucos haviam alguma vez ousado dar-lhe a entender que seu caráter e conduta não estavam isentos de faltas. Paulo, porém, não tinha temor do homem. Expôs claramente sua fé em Cristo, e as razões dessa fé, e foi assim levado a falar particularmente das virtudes essenciais do caráter cristão, de que o arrogante par diante dele era tão sensivelmente destituído.
    Ele exaltou perante Félix e Drusila o caráter de Deus - Sua retidão, justiça e eqüidade, e a natureza de Sua lei. Mostrou claramente que é dever do homem levar uma vida de sobriedade e temperança, mantendo as paixões sob o controle da razão, em conformidade com a lei de Deus, e preservando as faculdades físicas e mentais em condições sadias. Declarou que viria seguramente um dia de juízo, quando todos seriam recompensados de acordo com o que tivessem feito no corpo, e quando seria plenamente revelado que a riqueza, posição ou títulos são destituídos de poder para alcançar para o homem o favor de Deus, ou para livrá-lo dos resultados do pecado. Mostrou que esta vida é o tempo de preparo do homem para a vida futura. Negligenciassem eles os presentes privilégios e oportunidades, e sofreriam eterna perda; nenhuma nova oportunidade de graça lhes poderia ser dada.
    Paulo frisou especialmente os profundos reclamos da lei de Deus. Mostrou como ela alcança os íntimos segredos da natureza moral do homem, derramando um dilúvio de luz sobre aquilo que tem estado oculto à vista e ao conhecimento dos seres humanos. O que as mãos podem fazer ou a língua proferir - isso que a vida exterior revela - mostra, imperfeitamente embora, o caráter moral do homem. A lei esquadrinha seus pensamentos, motivos e propósitos. As negras paixões que permanecem ocultas à vista dos homens, a inveja, o ódio, o sensualismo, a ambição, as maquinações perversas nos profundos recessos do coração, ainda não executadas por falta de oportunidade - tudo isso a lei de Deus condena.
    Paulo procurou dirigir a mente de seus ouvintes para o grande sacrifício pelo pecado. Apontou aos sacrifícios que constituíam sombra dos bens futuros, e apresentou então a Cristo como o antítipo de todas essas cerimônias - o objeto para o qual elas apontavam como a única fonte de vida e esperança para o homem caído. Santos homens do passado foram salvos pela fé no sangue de Cristo. Ao contemplarem as agonias de morte das vítimas sacrificais, olhavam através da voragem dos séculos para o Cordeiro de Deus que devia tirar o pecado do mundo.
    Deus com justiça reclama o amor e obediência de todas as Suas criaturas. Deu-lhes em Sua lei uma perfeita norma de retidão. Muitos, porém, se esquecem de seu Criador, e escolhem seguir seus próprios caminhos, em oposição à vontade de Deus. Pagam com inimizade o amor que é tão alto quanto o Céu e tão amplo quanto o Universo. Deus não pode baixar os reclamos de Sua lei a fim de corresponder à norma de homens ímpios; nem pode o homem em sua própria capacidade, cumprir as exigências da lei. Só pela fé em Cristo pode o pecador ser purificado da culpa e capacitado a prestar obediência à lei de seu Criador.
    Assim Paulo, o prisioneiro, apresentou as exigências da lei divina tanto para judeus como para gentios, e apresentou a Jesus, o desprezado Nazareno, como o Filho de Deus, e Redentor do mundo.
    A princesa judia bem compreendia o sagrado caráter daquela lei que tão desavergonhadamente transgredia; mas seu preconceito contra o Homem do Calvário endureceu-lhe o coração contra a palavra de vida. Mas Félix nunca ouvira antes a verdade; e à medida que o Espírito de Deus lhe imprimia convicção à alma, sentia-se profundamente agitado. A consciência, agora desperta, fez ouvir sua voz; e Félix sentiu que as palavras de Paulo eram verdadeiras. Sua memória retornou ao culposo passado. Com terrível clareza surgiram perante ele os segredos de seus primeiros tempos de homem sanguinário e perverso, e o relatório tenebroso de seus últimos anos. Viu-se licencioso, cruel, desonesto. Jamais havia sido a verdade assim levada ao íntimo de seu coração. Nunca dantes sua alma assim se enchera de terror. O pensamento de que todos os segredos de sua carreira de crimes estavam abertos aos olhos de Deus, e que ele seria julgado conforme as suas obras fê-lo tremer de pavor.
Mas em vez de permitir que suas convicções o guiassem ao arrependimento, procurou livrar-se dessas reflexões indesejáveis. A entrevista com Paulo foi abreviada. "Por agora vai-te", disse; "e em tendo oportunidade te chamarei."
    Quão amplo o contraste entre o procedimento de Félix e o do carcereiro de Filipos! Os servos do Senhor foram levados em cadeias ao carcereiro, como Paulo a Félix. A evidência que deram de estar sendo sustidos por um divino poder, seu regozijo sob o sofrimento e desventura, seu destemor quando a terra vacilou com o terremoto, e seu espírito de perdão semelhante ao de Cristo levaram a convicção ao coração do carcereiro, que tremente confessou seus pecados e encontrou perdão. Félix tremeu, mas não se arrependeu. O carcereiro jubiloso abriu ao Espírito de Deus o coração e o lar; Félix ordenou que o mensageiro divino partisse. Um escolhe tornar-se filho de Deus e herdeiro do Céu; o outro lança sua sorte com os que praticam a iniqüidade.
    Durante dois anos nenhuma outra atitude foi tomada contra Paulo, embora permanecesse prisioneiro. Félix visitou-o várias vezes e ouviu-lhe atentamente as palavras. Mas o motivo real dessa aparente benevolência era o desejo de ganho, e insinuou que mediante grande soma de dinheiro Paulo poderia assegurar sua liberdade. O apóstolo, entretanto, era de natureza demasiado nobre para libertar-se por meio de suborno. Não era culpado de crime algum, e não se aviltaria cometendo um mal para alcançar a liberdade. Demais era muito pobre para poder pagar esse resgate, caso a isso estivesse disposto, e não apelaria, em seu próprio benefício, para a simpatia e generosidade de seus conversos. Compreendia que estava nas mãos de Deus, e não poderia interferir no propósito divino a respeito de sua pessoa.
    Félix foi finalmente chamado a Roma, por causa de graves males feitos aos judeus. Antes de deixar Cesaréia em resposta a esse chamado, desejou "comprazer aos judeus" (Atos 24:27), deixando Paulo na prisão. Mas Félix não alcançou êxito em sua tentativa de readquirir a confiança dos judeus. Foi removido do cargo em desonra, e Pórcio Festo foi indicado para sucedê-lo, com sede em Cesaréia.
    Havia sido permitido que um raio de luz do Céu brilhasse sobre Félix, quando Paulo arrazoou com ele a respeito da justiça, temperança e juízo vindouro. Esta foi a oportunidade que o Céu lhe enviara para que visse seus pecados e os abandonasse. Mas dissera ao mensageiro de Deus: "Por agora vai-te, e em tendo oportunidade te chamarei." Atos 24:25. Menosprezara a última oferta de misericórdia. Nunca mais deveria receber outro convite de Deus.

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